sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Chá de tília e ervas doces

109.


A melhor maneira de dar continuação aos perdidos temperos da madrugada daquele renascimento, foi através da forte amizade das tias Berta e Rosário. Não soltaram uma só palavra quando deram conta da sobrinha estendida desnudada no pavimento alagado do quarto de banho. Imediatamente trataram dela com todo o carinho do Mundo.
Alzira estava gelada, muito azulada e trémula. Os seus olhos tinham as pupilas dilatadas, de um negro a fazer adivinhar o vermelhão da sua retina. A íris embaciada, de um azul acinzentado sem expressão. Todas passaram a partilhar aquela humidade fria que Alzira compartilhou, assim como a sua fria temperatura de jovem moribunda. Os cabelos encharcados traziam agarrados ao seu perfume dourado, a desgarrada e descomposta figura da menina moça, muito lenta de movimentos, muito assustada, muito omnipresente. Trataram imediatamente de a aquecer. Limparam-na com todos os cuidados. Secaram-lhe os cabelos e a perfumada pele. Taparam-na com um enorme roupão de banho e aconchegaram-lhe o estômago com um chá de tília e outro de ervas doces, acompanhado de duas fatias de pão torrado. Alzira tudo ia provando com muita serenidade e de maneira muito lenta. Demorou algum tempo a dar conta da sua situação. Já percebera que a sua vida mais recente estava marcada por estas estranhas digressões entre estes Mundos tão distantes e distintos, contudo ambos tão reais ao seu entendimento. A demanda que iniciou na busca da estranha caixa mágica do seu futuro tem sido, muito provavelmente, a causa de todas estas perturbantes e radicais experiências de viagem. Se somar a todas estas estranhas e oníricas realidades as desordens e alterações que aconteceram ultimamente na sua vida, no seio da sua família, com os que lhe são mais íntimos, fica provado que, seguramente, todas estão intimamente relacionadas e contribuem de igual maneira para este emaranhado emocional que vai sentindo.
- É tão bom sentir o vosso carinho queridas tias! Tão bom, tão repousante! Obrigado por tudo e desculpem a preocupação que vos tenho causado!
As tias esboçaram um pequeno sorriso, apertaram com amizade e ternura o corpo de Alzira, e ali ficaram as três a ouvir, em serena tranquilidade, o sincronizado batimento dos seus corações.
.

Sem comentários: