quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Suave perfume a entrar pelos pulmões



101.


Deambulavam as ideias na cabeça de Alzira depois de passadas semanas sobre a morte da mãe. Em Husadel, Gamélia entretinha-se a traduzi-las e conversava com Alzira sobre tudo e sobre nada. As palavras secretas dos pesadelos estavam contidas num livrinho que Gamélia gostava de trazer sempre perto de si, como companheiro de viagem. Não aprecia muito a solidão, mesmo que a sua companhia sejam apenas as fantásticas narrativas escondidas naquele livro estranho que transporta com ela. As mãos do anjo luziam de contentamento, como se pudessem aquelas histórias diagnosticar todos os potenciais problemas do Universo. Apertava-o com carinho e firmeza.
Alzira não tinha grande vontade em conversar. Preferia contemplar aquela imensidão, sofrer na pele o gélido e seco ar que lhe trespassava as roupas, os aconchegos de pele, a sua própria pele e lhe fazia ranger todos os ossos do franzino corpo de menina-moça. Não deu conta deste passar de tempo. Apenas se recorda de se ter levantado muito vagarosamente da cama, onde a tinham colocado depois do desmaio. Daí para a frente, foi como se lhe tivessem esvaziado as memórias. Uma imensidão de branco, tal e qual as paisagens de Husadel, mas não tão terrivelmente gélidas e sentidas. Um mar de espuma e sal levou depois até si, mais nítidas e tranquilas, as imagens, os sabores e todos os outros sentidos de que são feitas as recordações. A máquina das lembranças tinha reiniciado o seu processo de trabalho de maneira muito brusca. Limpou-lhe todas as lágrimas e pensamentos sombrios da cabeça. Alzira deu por si nestas paragens frias e geladas de Husadel, ao lado de Gamélia, como se de um novo sonho se tratasse.
- Gostaria de ter boas-novas, bolinhos de canela ou outro sonho doce e cristalino para te adocicar o futuro. Este ar de Husadel acaba por ser um suave perfume a entrar pelos pulmões.
Ao ouvir estas palavras de Gamélia, Alzira procurou força e coragem para lhe responder. Entende nela uma sua amiga. Percebe nela uma imensa força, estranha, divina, misteriosa e tranquilizadora. Necessita agora, como nunca, de uma amiga assim. Tem de continuar a sentir e a dar alimento à coragem necessária para seguir em frente. Continuar a apreciar as imensas alvas paisagens deste longínquo local, apesar da tenra idade da sua inocência.
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