domingo, 21 de setembro de 2008

O sabor de secretas palavras


104.

-Os caminhos cruzam-se. As passadas e os destinos dos viandantes vão sendo moldados por Deuses, entretidos nessas sessões como em jogos de xadrez. As peças são despedidas ou acrescentadas aos tabuleiros, sem definição ou critério estabelecido, sem regra, numa missão sem segredos. Para as humanas almas que as tentam entender, são totalmente indecifráveis e, contudo, continuam a seguir na senda da sua leitura e interpretação. Colocar as promessas de parte e arrancar para bailados onde os Deuses completam, durante o tempo que demora uma espreitadela de excitação, as suas vontades em papéis de sonhos, daqueles que os humanos nunca podem fazer subir aos seus confusos cérebros. Segundo consta, é assim que esses Senhores desejam que permaneça. Não são surpreendidos com indesejáveis escadarias ou patamares que alteram a perfeita e sacrificada construção do Mundo, essa frágil construção edificada no cimo de uma simples árvore.
Gamélia ia lendo para si, propositadamente alto, para que Alzira pudesse sentir o sabor das secretas palavras do livro dos pesadelos. Os edifícios naturais de Husadel são ilhas de prazer e de deleite para os olhos de quem os observa daquela pequena ponte. Esta terminologia deixa de fazer qualquer sentido para quem sofre, como Alzira, dores recentes e profundas. Tem um súbito desejo de deixar de lado aquele gélido espaço que a separa de Gamélia e apoiar-se num longo abraço retemperador. Como lhe iria saber bem sentir-se abrigada, dessa forma, de todas as suas ácidas lembranças. Manter esse aconchego para sempre. Jamais deixar que esta amizade tão estranha possa alguma vez vir a desaparecer.
Olhou para os gelados horizontes de Husadel e não vislumbrou o local onde o Drakkar voador costumava passar o seu tempo de descanso. Não se via nem sombra das suas velas. Alzira pensou que passaria, por esse motivo, mais alguns dias com o anjo-mulher.
- Podes-me ler um pouco mais desse teu livro, Gamélia? Não consegues imaginar o bem que as tuas palavras me soam. Apaziguam as vozes que carrego em mim.
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