sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Tréguas refrescantes

108.


O cansaço provocado por aquele calor desmedido nos cavaleiros Templários foi verdadeiramente brutal. Quando chegaram à distância de cem passos da enorme porta de madeira e ferro das muralhas de Ourém, a respiração saía-lhes tão dolorosamente arquejante quão profunda e vagarosa. Os animais traziam agarradas à pele uma intensa cola branca de suor pastoso. As línguas penduradas das bocas e as cabeças caídas carregavam nelas olhares ausentes e estafados. Ao colocar a mão nas pedras dos altos paredões que protegiam a zona do acesso à porta de entrada do castelo, Castro sentiu nela um calor tão forte e doloroso que, no mesmo instante, soltou um grito, misto de surpresa e de dor.
- Deus meu! Arde como fogo! Como é possível estas paredes carregarem em si a temperatura dos Infernos? Quase se poderia usar este braseiro para assar cabritos ou uma qualquer peça de caça.
Tinha sido a ele que Fernando Dias dera instruções para apresentar a comitiva Templária ao mestre do castelo de Ourém e aguardar as ordens de entrada na fortificação, onde, seguramente, poderiam descansar e acalmar os corpos da violência do calor daquele dia. Após as ordens de abertura da imensa e pesada porta, todas as almas sedentas de fresco sabiam que ali iriam dar conclusão ao seu castigo. O mestre Fernando Dias tinha mencionado que, bem guardado no centro daquela fortificação, existia uma cisterna subterrânea para a qual se desce por uma escadaria em pedra. Com o rigor e a ordem da disciplina Templária, todos os ilustres cavaleiros, um a um, desceram com incontida alegria e sentiram, finalmente, as tréguas refrescantes daquele bem-aventurado local.
Após darem alegria às suas sedentas bocas, cabeças e corpos, trouxeram em contentores apropriados, bem do fundo daquela deliciosa cisterna, a refrescante água para saciar os animais que, tal como eles, padeceram deste suplício horas a fio. Por ali se quedaram, em descanso e conversa o restante tempo que aquele dia durou.
- A vista que daqui se tem para qualquer dos locais que se deseje olhar é verdadeiramente fascinante mestre de Ourém! Hoje foi o dia em que as nossas lembranças de vida ficaram marcadas com a memória da força e da intensidade cruel com que o astro rei nos pode ameaçar. Jamais tinha tido uma experiência como a de hoje, mesmo quando por terras de Castela e Navarra me fiz, em anos passados, convidado. E por lá as coisas também aquecem, se é que me faço entender.
Honrado com a visita do Grão-mestre Templário Fernando Dias, o mestre de Ourém acenava afirmativamente com a cabeça, sentindo algum constrangimento pela falta de condições que o castelo tinha para oferecer a tão importante comitiva.
- Assim é caro mestre Fernando. Saiba que todos os que servem neste castelo se sentem honrados com a vossa mui digna e inesperada visita. Será um enorme orgulho se tudo estiver a vosso gosto e vontade caríssimo irmão. As instruções foram já dadas para que possamos, muito em breve, servir a todos os irmãos que a nós se juntaram neste dia tórrido, uma refeição digna e retemperadora.
Fernando Dias e o mestre de Ourém permaneceram mais alguns, longos, instantes, a partilharem a vista e a colocarem alguma conversa importante em dia. Dos dias passados, Fernando Dias deu conta de algumas das experiências e peripécias. Desde a saída de Idanha, a passagem por Rates, por Ferreira. A tão misteriosa como importante referência à pessoa de Gonçalo de Arriconha. A caminhada com ele realizada para que el-rei Dom Sancho I o pudesse avaliar e conhecer. Os dias e noites passados, já em Coimbra, na sua companhia. As mortes e horrores causados pelo grupo de mercenários assassinos que ainda tentam descobrir. E nada mais.
Quanto ao restante, dele não fez relato ou menção.
-A comida encontra-se na mesa meus senhores!
Ouviu-se assim, numa voz forte, saída da imensidão do pátio central do castelo, a informação aguardada por aqueles homens de armas, agora já retemperados e abrigados da inclemência brutal do forte sol daquele Agosto.
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