terça-feira, 14 de outubro de 2008

Dois indissociáveis destinos


119.B

Os cavaleiros Templários avançam por entre verdes caminhos, seguros por arvoredo não muito frondoso. Fazem-no alterados pela vontade do seu mestre em avançar em direcção a Montemor pelos caminhos da costa, em direcção ao pôr-do-sol, e depois rumar a Norte, até à foz do Mondego. Avançam em direcção a Montemor surgindo pela via Oeste, menos utilizada e menos sujeita a antecipadas informações que deles dêem novidades ou antecipem as acções.
O silêncio reside nos membros do grupo de Sabiano. A noite cobre-lhes as acções como um espesso manto de tintas sedosas, como as utilizadas por dedicados monges copistas em mosteiros onde os ensinamentos dessas artísticas e sábias habilidades são perpetuados, passados de estres artífices para aprendizes abnegados, futuros mestres também eles. As muralhas do castelo são visíveis lá ao longe. Por entre os abrigos da noctívaga obscuridade, dos sons patinados de mochos, corujas, animais nocturnos de aquáticos hábitos pantanosos, avançam estas figuras furtivas, com as vontades atiçadas pela morte que lhes alimenta as forças e os espíritos. Nem um ruído lhes sai dos movimentos lentos e pausados. Ao longe observam as luzes dos guardas que realizam vigilância ao longo das ameias, dando desta forma conta do movimento dos seus homens. Mais silêncio. Os passos de avanço na direcção das suas paredes são realizados lentamente, pausadamente, sem alertas e com alicerces de dormência, para que o risco de aviso dos seus intentos não se espalhe aos ventos nocturnos, através de qualquer feitio, cheiro, som ou duração de palavras. Comunicam passando as suas ideias com os olhos da excitabilidade, que os realiza. Através da contemplação da criação destes horrores e receios, medos e mortes que vão semeando, tornando-as reais com as orientações insensatas de Raimundo. A morte é a eterna companheira de viagem destes animais desregulados. Ao observarem as estrelas do céu, vão imaginando nelas as almas apagadas e liquidadas das histórias por onde escreveram os horrores com o sangue e a devastação infligida.
Nos caminhos seguidos pelo grupo que transporta a defesa da vida da infanta em seu regaço, a certeza de uma morte, ou duas, ou três que surjam nesta empreitada, são um mal menor no resultado aguardado por Fernando Dias. De acordo com o pedido veiculado por el-rei Dom Sancho I, a segurança de Dona Teresa, infanta de Portugal, é agora a lei que orienta as suas vidas. Não há outro destino a enfrentar. O tempo gasto no acrescentar em dia e horas, pela maior distância percorrida, foi efectuado com intenção de ludibriar, caso fosse necessário, pelo poder da surpresa, os assassinos que procuram enfrentar.
A imortalidade de cada instante de vida encontra-se nos tesouros que se descobrem nestas encruzilhadas de vontades, interesses, defesas ou acometimentos de desmedida loucura, que condimentam de sal e de fel os sabores de que se vestem. Soltam-se receios e temores. Sente-se, como só nestas ocasiões acontece, a serenidade dos tempos de infinito adiamento. Tudo fica suspenso, desde a respiração que se torna lenta e ofegante, até o batimento dos corações. O sangue que flúi nas veias sente-se ritmado junto aos ouvidos, a avisar dos temores e da perenidade de tudo o que tem existência no ténue espaço daquele instante.
Castro sentia o seu mestre distante. Era difícil a caminhada que o aguardava até Tomar, com o peso do destino que carrega nas costas, secreto, imenso, Divino e incandescente. A figura ausente de Fernando Dias aparecia representada no alto das sombras das montadas dos Templários que o acompanham, rumo ao destino final para aquele divino símbolo cristão. O pajem transporta-o como se sentisse a totalidade do peso da Cruz do Calvário a pesar-lhe nas costas. Esse peso tornou-se insuportável. As costas vergaram sob o jugo terrível dessa insustentável e dramática mudança de pressão. Algo de muito complexo estaria para acontecer. Estes sinais foram sentidos por Castro de tal maneira que se deitou de barriga para baixo, vergado ao intenso peso do objecto Sagrado. Caído no chão, a poucas léguas de Tomar, distanciado das ordens do seu mestre, teve uma visão que tão cedo não conseguirá esquecer. As imagens apareceram vigorosas, tão ensanguentadas e brilhantes que começou a sentir o líquido milagroso subir lentamente ao seu redor até o cobrir completamente. No calor desse mergulho, onde não se conseguia mover, Castro viu todos os cavaleiros Templários e o seu mestre Fernando serem consumidos nas labaredas de um enorme incêndio. Depois foram envolvidos por um espesso fumo negro que rodopiou vigoroso, levantando os corpos e transportando-os sem misericórdia até ao alto de um pequeno monte onde as cruzes para as suas crucificações os aguardavam. Envolvido neste irrespirável e denso banho de sangue, Castro acabou por reunir em si as forças necessárias para dele se afastar, arrastando-se com grande dificuldade para lá da sua imponência. Os cavaleiros que o acompanhavam ajudaram-no a levantar-se, com alguma dificuldade. Encontrava-se muito tenso e consternado. Todas aquelas premonitórias imagens tinham-no perturbado ao ponto de não encontrar nele a coragem necessária para explicar aquela experiência aos cavaleiros que acabaram de o auxiliar. As suas costas continuavam a guardar e amparar a Divina Cruz de Cristo. Aquelas imagens comunicaram-lhe que seria importantíssimo fazer chegar rapidamente, até ao abrigo do Castelo em Tomar, tão importante símbolo do Senhor.
O silêncio permanecia naquela madrugada junto a Montemor. Do lado Este das muralhas Raimundo e os seus avançam, furtivos, preparando com perícia a subida até ao alto do castelo, salvaguardados pela escuridão da lua nova. Do lado Oeste aproximam-se os valorosos cavaleiros Templários, com Fernando Dias à frente do grupo, preparado para dar cumprimento ao destino que sempre sentiu indissociável do de Sabiano Raimundo, apesar de nunca o ter conhecido.
Assim se dará cumprimento à Vontade de Nosso Senhor Jesus Cristo!
Amén!
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