terça-feira, 14 de outubro de 2008

Endémica paixão


120.


As alterações das distâncias da viagem tornavam impossível a demonstração de afectos entre Castro e os novos corações que o adoptaram. Deambulando pelos espaços antigos da alta de Coimbra, o cão sente-se aquecido pelos locais que sente estranhamente seus, apesar de nunca por aqui ter anteriormente vagueado. A sede que lhe provoca esta enorme sensação, mata-a com constantes e inesperados corrupios, correndo pelas ruelas, calçadas, escadarias, até junto à Sé Velha, cheirando-lhe depois todos os perfumes e tragédias e adivinhando-lhe as complexas sobrevivências das lembranças que por elas se cruzaram e se perpetuaram até ao dia de hoje. É impossível sentir-se órfão por estas paragens. As lembranças e as imagens que lhe vão surgindo, lado a lado com as mais reais que agora percepciona através dos seus olhos, soam-lhe doces e retemperadoras. Parecem-lhe escolhidas pelo toque dourado de Midas, deliciosamente eternas e adoravelmente assustadoras. O seu desejo em desvendar de onde o amor surge, porque se deu a conhecer desta forma endémica para depois se fazer desaparecer novamente como misteriosa bruma, fá-lo continuar a correr desvairadamente pelas ruas da cidade.
A forte personalidade daquelas lembranças carrega a sua alma com o peso das estrelas do firmamento e fá-lo genialmente. Consegue arrumar todas estas sensações e contagiante liberdade na pequena cabeça de um cão negro, que exala todos os cheiros da felicidade ao recordar os breves e intensos momentos de uma medieval paixão adolescente.
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