domingo, 20 de julho de 2008

Perpetuados ecos de temor


92.

Após terem deixado a mão decepada como mensagem de horror na entrada do mosteiro de Lorvão, dando cumprimento às mais recentes ordens de Raimundo, ocultaram-se em seguida na protecção do denso arvoredo que o circundava. Estes seus zelosos serviçais tinham ordens para aguardarem, e confirmarem, a descoberta do objecto por parte de Dona Teresa.
- Eu por mim matava-a já! Mas primeiro, dava-lhe conta das vontades com tamanha gana, que iria suplicar por mais divertimento. Morreria com o corpo carregado de prazer. Era capaz de lhe trazer os cabelos como troféu e o resto das carnes boas, daria de presente ao chefe, como prova da minha lealdade!
Afastando-se do seu colega de função, dando-lhe o espaço necessário para caber entre os dois a força de um golpe de maças, Faysal quase sucumbiu à vontade de lhe dar o uso devido. Rebentar com a cabeça vazia daquele desgraçado que até ali o acompanhara, seria uma mais valia que daria ao Mundo, tamanho é o lixo que lhe vai servindo as ideias.
- Faz apenas aquilo que te ordenam! Ninguém te pediu opinião sobre assunto ou processo. O querer que me vai dando formigueiro nos braços, mal o controlo! Não fosse Sabiano deitar-me fogo por te provocar a morte merecida, estarias já deitado nesse verde que te abriga o corpo com os miolos de fora! Palavra de Faysal! Agora cala-te e façamos aquilo que nos ordenaram sem agitação ou mais sobressaltos!
Após os iniciais momentos daquela cinzenta manhã se terem assim neste dia acordado, as primeiras monjas começaram a surgir no pátio que dava acesso ao verdejante jardim do exterior do mosteiro, junto à bonita paisagem que o rodeava, como símbolo da divina perfeição que dera origem à escolha daquele lugar para a sagrada construção. Não eram aquelas mãos nem aqueles olhos que deveriam dar conta do objecto que aguardava, bem divulgado, bem descoberto, as mãos e os olhos da filha do rei Dom Sancho.
Sabiano Raimundo tinha congeminado esta estranha estratégia para promover o terror na mais importante figura feminina do reino. Sabia que o pânico que tal descoberta provocaria rapidamente chegaria aos ouvidos do rei seu pai, pois Teresa lhe daria disso notícia. Essa mensagem seria sabiamente interpretada por Dom Sancho I como ameaça mortal, não só à pessoa de sua filha, como à sua própria pessoa. Assim o desejava Raimundo, só por sádicas e perversas vontades. Só porque assim as suas internas vozes o comandavam, continuando aquele passeio cruel pelas células do seu pensar. Só porque sentia nele o poder para o executar.
E eis que se avista, tranquila, no seu passeio matinal de oração e meditação, Dona Teresa Sanches, Tareja infanta de Portugal, pela vontade do povo. Sempre acompanhada de perto por duas noviças que, como ela, dedicam à manhã as primeiras orações. Tudo acontece por vontade de Deus. Sem plausível explicação, foram estas três figuras as que seguiram pelos caminhos que lhes deram conta do miserável presente. O horror com que contemplaram o seu conteúdo ainda se consegue fazer sentir nos ecos, perpetuados até à exaustão, pelas colinas circundantes do mosteiro em Lorvão.
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