sábado, 19 de julho de 2008

Desejo de esperançosos futuros


90.

Surgidas como mensagens secretas, as palavras de Gonçalo manifestavam a esperança e a confiança nos valorosos Templários do reino. Com eles foram assumidos e assinados compromissos sérios, ainda mais fortes e importantes, com profundo e histórico simbolismo. As garantias de efectivo apoio à figura de El rei ficaram assim seguras e reforçadas no incondicional apoio dos Templários chefiados pelo mui nobre mestre Fernando Dias, apelidado por Gonçalo de Arriconha como “o Defensor”.
A surpresa do encontro e desta secreta assinatura feito pacto indissolúvel caminhava agora para um ainda maior espantamento. Dom Sancho preparava-se para lhes provocar uma imensa emoção. Revelar-lhes algo para o qual nada os tinha preparado, nem mesmo os dotes extraordinários de Gonçalo lhe deram informação para o que seus olhos espantados e maravilhados começavam ali mesmo a vislumbrar. El rei retirara de um pequeno compartimento secreto existente por debaixo do imponente trono, que fizera rodar suavemente como que por artes divinas, em ângulo suave, uma caixa forrada a macia pele acastanhada. Estava protegida por um pano branco de textura rude, que manteve durante o pequeno trajecto em que a transportou suavemente, até a colocar com gentileza no centro da enorme mesa de carvalho que dominava a austera decoração do aposento. O único ruído que se adivinhava era o das copas das árvores que a brisa adocicada embalava junto às janelas das imensas paredes graníticas da sala. O tempo estagnou, brutal, com o peso e a intensidade do momento. Fernando Dias e Gonçalo de Arriconha trocaram entre si olhares cúmplices de divinos questionamentos. O rapaz duvidava de seus sentidos mas não queria que isso provocasse o desaparecimento desta ocorrência real como se fosse apenas um místico sonho divinatório. O mestre Templário assumia com o seu rosto já experimentado que estaria seguramente a poucos segundos da visão mais arrebatadora que jamais a sua vida de fiel homem de Deus lhe proporcionará em fé e em divinas sensações. Os seus olhos viraram-se novamente para o centro da mesa. Os gestos que Dom Sancho ia desdobrando com rigor, retirando a protecção feita tecido do cúbico objecto, eram por eles bebidos em tranquila meditação.
Ali estava a caixa já sem pano, só a forma protectora do sagrado conteúdo agora adivinhado por todos. El rei mantinha na sua mão direita a chave imensa que traria à luz da cena a revelação do conteúdo da caixa. Estava a instantes de divulgar todo o simbolismo transportado no objecto que, pela segunda vez desde que ali secretamente o resgatara, iria ver em paz a luz daquele encontro. Mostra agora o fecho de bronze que engole lentamente a longa chave de igual metal. A mão do monarca treme de forma muito pouco perceptível. Só mesmo ele a esse detalhe deu menção. Um ruído mecanizado, logo seguido de um forte estalido, outro ruído igual ao primeiro, novo estalido de sonoras proporções. A mão firme de El rei abriu a pequena porta do secreto objecto protector para a direita. Seguidamente, deu igual andamento mas para a esquerda, na outra porta, que ainda tapava o objecto guardado no seu interior.
- Perante vós apresento a Cruz Sagrada do Senhor. Glória seja feita aos seus dias na Terra e no Céu! Santificados todos aqueles que na sombra da sua Divina protecção crescem em Graça Divina!
Ali se encontrava a imagem do Cristo crucificado, perante todos, tão artisticamente esculpida. Aos pés da figura Divina, um fragmento do Santo Lenho. Ali estava diante destas humanas testemunhas a cruz ornada com as pedras do Santo Sepulcro. Ostentava outras pedras do Monte Calvário. A imagem da Virgem Mãe, de pé, junto à Cruz, acompanhada pela imagem de S. João. Apoia-se toda esta acção numa pedra do Calvário, ainda sobreposta por uma pedra do túmulo do Senhor, com uma relíquia do Santo Lenho, embutida, em forma de cruz. Exactamente como a descrição das escrituras que Gonçalo tinha escutado, em segredo, aos religiosos em Braga.
As três personagens permaneceram estáticas e em silêncio, uma pequena eternidade. A grandiosidade e religiosidade do Sagrado objecto, a percepção da espiritualidade contida na sua concepção, assim lhes determinava.
Gonçalo só agora dera verdadeira conta das razões pelas quais fez referência desta Sancta Crucis nas conversas mantidas com mestre Fernando Dias em Ferreira. Sentira em si forças intensas que o instruíram para essa vontade.
Mestre Fernando só agora dera verdadeira conta das razões pelas quais sentiu imenso apelo na tentativa de resgatar Ferreira das bárbaras e cruéis matanças do bando de assassinos de Sabiano Raimundo. Assim encontrou Gonçalo, que nele fez destino e protecção. Sentira em si forças intensas que o instruíram para essa vontade.
El Rei Dom Sancho I só agora dera verdadeira conta das razões pelas quais, secretamente, manteve esta Cruz resguardada e a salvo de todos os possíveis inimigos do reino. A sua exposição perante tão singular grupo de homens estava já marcada no seu destino. Sentira em si forças intensas que o instruíram para essa vontade.
- Não podemos deixar de sentir nossos corações bater mais fortes, renovados em fé. É pela rara contemplação de ícone tão esplendoroso que nos conseguimos descobrir na nossa incomensurável pequenez. É importante que seja devidamente protegido e salvaguardado de todas as tentativas de usurpação, roubo, destruição ou de qualquer outra que venha a surgir mal se tenha notícia de paradeiro ou destino de tão valioso documento do Cristianismo. A minha vontade é que seja entregue a vós, verdadeiros Templários, fazendo de seu mestre aqui presente fiel depositário de tão importante tarefa. É para mim muito importante que as quezílias e intrigas que todas os diferentes cleros e bispados deste nosso reino de Portugal serenem. Tal não se tem revelado fácil tarefa, nem serei eu que intercederei para que se entendam essas comadres de desavenças, pois estéreis são os domínios desses ditosos senhores da igreja. Aqui na nossa cidade, por exemplo, são já célebres as discórdias entre os cónegos do mosteiro de Santa Cruz e os da Sé de Coimbra. Remontam já ao reinado do senhor meu pai. Foi assim que esta relíquia acabou por me ser consagrada. O bispo de Coimbra, à altura de mil cento e oitenta, aproximadamente, dera conta de estranhos roubos para os quais só encontrava uma explicação. Eram os próprios padres e religiosos que estavam na mira de Dom Miguel Salomão como sendo, seguramente, parte envolvida nesses processos de criminosos desaparecimentos de cousas sagradas e não sagradas. Honra seja feita à inteligência e lógica de tal figura. Espalhou entre todos os religiosos, com o aval de meu pai, a notícia de que o importante objecto que aqui vos apresento tinha também ele desaparecido, no meio de tantos roubos e outros misteriosos desaparecimentos da altura. Data desses dias a construção secreta de onde retirei, com todo o cuidado, este expoente sagrado de humana criação divina. Só no seu leito de morte, passados pouco mais de cinco anos sobre estes acontecimentos, o senhor meu pai me deu relato destes assuntos, me entregou as chaves dos secretos locais e me deu explicação de como lhes ter acesso. Confidenciou-me que os operários a quem destinou a tarefa de construção dos secretos compartimentos morreram vitimados por um estranho acidente de trabalho no dia imediatamente seguinte ao da conclusão da tarefa. O bispo Miguel Salomão e meu pai engendraram desta forma os meios para colocarem a salvo tão valiosa relíquia.
Gonçalo de Arriconha e Fernando Dias permaneciam atentos a todos estes relatos de Dom Sancho, sorvendo estas importantes informações com a reverência e solicitude necessárias. E continuou ainda o rei a dar sustento ao caudal destas notícias.
- Como podeis calcular, é importantíssimo que esta relíquia seja salvaguardada e protegida pelas mais valorosas forças do meu reino, as mais justas e fiéis, as mais sérias e ponderadas, as mais religiosamente respeitadoras destes segredos. E disto vos faço também confissão, pois aqui connosco se quedará. Tenho receio, pois sei bem daquilo que são capazes as frágeis almas dos homens. Mesmo as vossas, em quem deposito o futuro desta Cruz. Deverão transportá-la, com os cuidados que me pouparei de recomendar, até ao mui nobre castelo de Tomar. Não poderei esquecer jamais aquilo por que passei no ano de 1190. Desde o cerco do emir de Marrocos Ya´qub al-Mansur a Santarém, com a minha presença, tendo depois avançado e destroçado Torres Novas e Abrantes, com intenções de o mesmo processo aplicar a Tomar, que a minha vontade sempre foi a de doar à vossa ordem dos Templários este objecto sagrado. Ao fim de seis dias conseguiram manter ainda invicto o castelo, com a população no seu interior, e iam infligindo tremendas baixas aos mouros, principalmente quando estes conseguiram forçar a porta do sul e entrar aos milhares na cerca exterior. Contra-atacaram e repeliram os islamitas com tal ímpeto que a porta do assalto e da fuga dos inimigos se baptizou como Porta do Sangue. É do homem que tão bem nós conhecemos, caríssimo Mestre Fernando Dias, a quem ficamos a dever a honra e a glória desses únicos momentos, conforme deixarei bem vincado nas palavras que acompanharão a Santa Cruz:
- Na era de 1198 (1160 da era de Cristo), reinando Afonso, ilustríssimo rei de Portugal, D. Gualdim, mestre dos cavaleiros portugueses do Templo, com os seus freires, começou no primeiro dia de Março a edificar este castelo, chamado de Tomar, que, acabado, o rei ofereceu a Deus e aos cavaleiros do Templo.
- Honremos agora a Vossa ordem com a oferta de símbolo tão sagrado, para que vos possa glorificar, e a todos nós fazer subir em apreço no reino sagrado de Nosso Senhor Jesus Cristo, Amén!
E em oração contemplativa, com as mãos unidas no desejo de esperançosos futuros para a santa missão do que os aguarda, mantiveram a força corajosa das suas súplicas. Assim possam estas importantes figuras do Lusitano reino Cristão ser ouvidas no distante reino de Deus Nosso Senhor.
Amén!
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