quarta-feira, 2 de julho de 2008

O passeio feito nuvem


78.

As lágrimas que apoiavam tantas e tantas vezes as mágoas a Alzira surgiam-lhe agora por motivos de alegria. A Tia Berta tinha tropeçado e caiu desamparada no relvado, sem dor, apenas graça. A tia Rosarinho acompanhava Alzira nas sonoras gargalhadas de deleite que aquele passatempo lhes causou.
- Suas tontas! Só parecem ganhar divertimento com as desgraçadas tolices dos outros, não é? E se me ajudassem aqui, não seria melhor?! Torci o pé! Deve estar todo negro! Ai que dói tanto!!!
Assim que ouviram Berta nestes preparos, carregando a voz com o peso da dor, avançaram para lhe prestar o auxílio devido. Os rostos despiram já as sonoras gargalhadas que os cobriam. Alguma angústia começava a pairar nos seus receios. Até podia ter torcido o tornozelo ou, se fosse mais grave, uma perna partida! De simples coisas sem aparente gravidade se podem ganhar contratempos desanimadores.
- Vamos já! Não te mexas que pode ser pior! Se calhar temos de ir buscar gelo para prevenir o inchaço!
Mal se aproximaram, com os cuidados devidos, do corpo estendido de Berta, sentiram os seus a ganhar enorme velocidade. Berta tinha agarrado com firmeza os braços das suas salvadoras. Seguidamente puxou-os de forma seca e vigorosa fornecendo-lhes, com surpresa, dois bonitos trambolhões.
- E agora suas atletas disparatadas? Vejam lá quem vai ser a vencedora desta corrida? Vejam lá se me conseguem apanhar! Adeus….
Alzira e Rosarinho ficaram espantadas com esta troca de posições. O espanto e a surpresa atrasaram as suas capacidades de reacção e forneceram um considerável avanço à nova líder da competição, que desaparecia por entre o arvoredo correndo e largando gargalhadas de prazer.
- Ora esta?! Já viste uma coisa assim Alzira? Nem mais! Pedro e o Lobo…! Vivendo e aprendendo! Não esperes pela demora batoteira, espera aí que já te vamos contar uma história!
Alzira deixou-se ficar caída mais uns instantes, enquanto a tia Rosarinho procurava alcançar a irmã no meio do arvoredo por onde se tinha ocultado.
As nuvens faziam bonitos desenhos no azul, lá ao alto. Caminhavam serenamente e encaravam esta manhã de Verão sem preocupações com conflitos ou faltas de tolerância, com guerras sem sentido ou com inadaptadas sensações de existência. Conseguia pensar músicas de Bach que emolduravam os bailados daquelas voadoras formas almofadadas. Cheirava a relva ainda a sentir-se fresca. Cerrou os olhos por instantes e sentiu-se também nuvem lá no céu, a pairar ao som do cravo e a admirar as humanas formas como formigas ocupadas lá em baixo.
Um violento puxão devolveu-lhe de forma abrupta a realidade. A tia Rosário tinha voltado para trás para puxar a sua sobrinha na direcção da corrida inacabada.
- Anda Alzira, vamos lá! Não podemos deixar aquela trapaceira da Berta ganhar a corrida! Era só o que faltava! Vamos contornar por fora o pequeno bosque e talvez lhe passemos à frente sem que ela disso dê conta!
A Alzira, o pequeno passeio feito nuvem soubera-lhe a mel.
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