quarta-feira, 16 de julho de 2008

Palavras de incentivo



84.

Desde que transportam o conhecimento destes caminhos de morte e assassinatos inconsequentes, o bando de Sabiano Raimundo alimenta-se dessa destruição, com calma, com a ponderada decisão das ondas cerebrais que comandam as acções do seu chefe. As mortes infligidas a duas mulheres grávidas serviram apenas para apaziguar as demências que Raimundo carrega em si. Os cavaleiros que o acompanham passaram por destinos onde, durante dias, não derramaram sangue ou provocaram vítimas. Raimundo parecia obcecado, apenas alimentado por uma cega ideia de atingir a capital do reino de Portugal e começar a presentear as reais figuras com assédios de terror, antecipando-lhes as torturas e as malfeitorias que cozinhava nos temperos das suas maquinações. As noites e os dias assim se foram passando desde Gandra, onde a mudança das suas insanas e sádicas atitudes atingiram um pico de perdição. Sabiano era amante da morte e dos seus terríveis desígnios. Abria-lhe as portas de par em par. Depois, já com elas escancaradas, envia para lá os desgraçados. É comandado por vozes que lhe vão dando continuadas ordens das profundezas do espírito.
Lembrara-se Raimundo da mão decepada que tinha arrecadado como lembrança daquela matança de religiosas figuras, lá mais a Norte. Deram-lhe tamanho prazer os rituais cruéis praticados na matança que infligiu que acabou por trazer consigo a mão de um desses caminheiros viajantes que, por trilhos de promessas e religiosas peregrinações, vão alimentando as fomes deste dragão incontrolável que transporta dentro de si.
Agora que se aventuram por zonas do reino bem mais controladas e que lhes criam maiores dificuldades na sua tentativa em passarem despercebidos, vão sendo mais demoradas as caminhadas e as formas como avançam no terreno em direcção a Coimbra. Avançam de noite e muito silenciosos. Procuram as mais recônditas veredas e penhascos, as mais escuras e inóspitas matas, os vãos de rios e riachos mais difíceis e perigosos de ultrapassar. Seguem como um bem treinado grupo de heróis, tentando perceber e antecipar locais de vigia ou outros de onde os possam alcançar e descobrir. A única coisa que os faz levar esta vida para a frente é esta nova estranha e desonrada missão que Raimundo transmitiu aos seus seguidores fiéis, e que faz para eles todo o sentido. Matar as mais importantes figuras do reino de Portugal, criando rituais de terror e antecipando as atrozes formas de lhes trazer esse destino final. Ir até aos locais por onde o rei Dom Sancho I se protege. Ameaçar a sua vida e a dos que o aconselham. Criar um clima de pavor e de desorientação, pois nisso este bando não se vê como muito desigual daqueles que, às ordens cristãs, vão avançando pelas terras a Sul da Península com desejos de conquista e de expansão dos seus domínios territoriais.
Não sentem falta de nada, não sabem sequer as terras que vão pisando. Avançam impulsionados por poderes que desconhecem e não controlam. Esses poderes vão controlando, com renovada intensidade, os primários instintos do seu líder. É Sabiano que depois os ludibria, através de incríveis palavras de incentivo, e que os faz acreditar em imortais poderes divinos que lhes concedem alucinadas capacidades de glorificação.
- Mágicos poderes, mágicas vontades! Carregamos em nós esta missão sagrada que mortal algum conseguirá travar nos seus desígnios. A passagem que todos desejamos com destino à glorificação da vida eterna, encontra-se à distância de um olhar. Todos sentimos que por este episódio de vida já anteriormente fomos destino. Conseguimos ler as mentes e saber o que carregam de dor e de cansaço. Devemos dar-lhes aquilo por que ambicionam! O devido e sagrado descanso!
Depois de assim ter celebrado a chegada até perto de Lorvão, desceu de sua montada, caminhou em direcção a uma pequena elevação de terreno que dava vista para o vale que se abria a seus olhos, deitou-se no chão à sua frente de barriga para baixo e de braços abertos. A cabeça o chão esfregou até nele abrir pequeno sulco de terra húmida. A boca essa terra húmida beijou. Depois improvisou maneira de barrar as faces desta mesma forma, até nelas só barro se vislumbrar. Prometeu a si mesmo levar a bom termo as tarefas que as vozes que lhe comandam o destino lhe martelam, ininterruptamente, na sua atormentada memória, e das quais não consegue encontrar formas de se esconder.
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