terça-feira, 22 de julho de 2008

Passados e futuros comuns


96.

Não era possível resistir ao brilho sedutor do mosteiro. As coisas de vida e de morte que estão associadas à existência deste património da Humanidade, desde o longínquo século XIV, pela devoção e votos feitos por El rei Dom João I à Virgem Maria, já lá vão quase certos setecentos e vinte anos, dão muito que pensar. O peso histórico das suas memórias é verdadeiramente incalculável. Os homens, desde que o são, que perpetuam as suas desigualdades e vontades expansionistas e de poderes em querelas e quezílias constantes, com batalhas tão sangrentas e brutais como a que acabou por dar origem a este monumento. Os reis de igual nome, que guerrearam nesse longínquo mês de Agosto de 1385, destinaram com o resultado dessa contenda os caminhos a percorrer por estes povos ibéricos, irremediáveis vizinhos eternos. Os casamentos, usados entre todos os herdeiros destes ibéricos tronos, redundavam nestas questões guerreiras de interesses territoriais. D. Juan I de Castela era marido de Dona Brites, ou Beatriz Rainha de Portugal e dos Algarves, filha de El rei Dom Fernando I. Casamento esse, como tantos outros, que apenas desejava fazer unir estas coroas através do estratégico jogo de matrimoniais manipulações expansionistas. Deu-se por cá mal esse D. Juan, bem como os que o auxiliavam. Muitos foram os corpos de cavaleiros franceses e fidalgos nobres castelhanos que se quedaram, espalhados, pelos leitos dos ribeiros que flanqueavam a colina ao redor do campo de batalha, impedindo-lhes o progresso.
Castro permanecia ausente há já algum tempo. Sabiam-lhe bem estas horas tranquilas. António Júlio aproveitava-as para encomendar inspiradas frases que depois assentava nas brancas folhas do seu caderno. Os espaços de histórico valor comunicam-lhe, muito baixinho, quais os caminhos que deve percorrer através da inspirada caneta do seu escrever. O seu pai dizia-lhe que essa caneta com a qual escrevia parecia já ter nascido ensinada. Quando a utilizava era como se lhe sentisse vida própria. Manipulava-lhe as pontas dos dedos da mão direita. Apenas tinha que os deixar passear, serenos, pelos bailados que iam desenhando.
Como se deram depois conta de tantos mortos? Como souberam os vencedores que não tinham desaparecido deste planeta e aterrado numa qualquer longínqua galáxia distante, perante tão horripilante cenário de fim de batalha. Tinha de ser obra de divina intervenção. Qualquer outra tentativa de dar justificação ao que as tropas de mestre de Avis e do seu condestável Nuno Álvares, auxiliados por aliados ingleses, tinham conseguido realizar nas terras de Aljubarrota, cairia facilmente em descrédito. Fez ainda estranho sentido a António Júlio saber que, quando as notícias da invasão chegaram, el-rei D. João I se encontrava em Tomar, na companhia de D. Nuno Álvares Pereira e do seu exército. A decisão tomada foi a de enfrentar os castelhanos antes que estes pudessem levantar novo cerco a Lisboa. Em Tomar se rezou e se decidiu em destino a futura construção de mosteiro em honra de Nossa Senhora, caso sorrisse a vitória perante o castelhano invasor. Em Tomar essas preces e orações ganharam as sagradas forças dos eleitos em Cristo.
Castro a surgir na esquina sul, vem misterioso. Parecia ter sentido a mesma intensidade do estranho sentimento que fez aparição em Tó. Aqui se concretizou, em arquitectada forma, a esperança em Deus Nosso Senhor, por fés extremosas, antecipadas nas orações de homens honrados, realizadas com fervor e muito querer, nas terras Templárias de Tomar. Castro e António Júlio permaneceram por longos momentos a respirar a história enraizada em dor deste local. Aceitam as responsabilidades da sua amizade, feita agora de confiança mútua, cimentada por sentimentos de passados e futuros comuns.
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