quarta-feira, 23 de julho de 2008

As devidas exigências do adeus


98.

- Podias ter feito um sinal, qualquer indicação seria útil para saber por onde andavas. Perdi-te logo de vista mal saíste porta fora. Já vai começando a ser hora de voltarmos à estrada.
Castro olhava para António Júlio, cheio de vontade em lhe dar conta do encontro que tivera, mesmo agora, junto à porta onde os visitantes do mosteiro acabam a sua visita. Desejou saber falar. Queria declarar quem lhe deu tantos abraços e como conseguiu convencer Esperança a oferecer à filha um fiel companheiro pelos anos. Se o esforço fosse suficiente, talvez lhe saíssem palavras pela boca, por troca dos latidos!
Ladrou! As suas vontades de palavras só lhe promoveram a saída de mais e mais latidos pela boca, altos e barulhentos. Dir-se-ia que tentava com eles produzir sílabas que fossem minimamente inteligíveis. Ecoaram pelas paredes deste património da Humanidade. Foram aterrar aos atentos ouvidos de Francisca que desejou poder despedir-se, de maneira mais afectuosa, do amigo subitamente afastado.
- Mamã, avó! Escutem! Deve ser o meu amigo pretinho. Tenho de lhe ir dizer adeus. Pensava que já tinha desaparecido outra vez, e para sempre. Volto já, está bem… - e dizendo estas palavras, Francisca correu velozmente na direcção dos altos latidos que vinham do lado de lá daquela imensa parede que os escondia.
- Francisca, espere…! Francisca! Não corra assim tão depressa! Francisca…!
De pouco valiam à mãe as preces usadas! A menina sabia bem que uma amizade não se deve descartar desta forma tão pouco amistosa. O adeus dado por verdadeiros amigos deve ser sempre feito com as devidas exigências, nunca deixado ao acaso ou votado a abandonos indesejáveis. E lá avançava veloz feita uma seta na descoberta de Castro que encontrou logo depois da esquina da parede sul do mosteiro. Argumentava daquela forma ruidosa com António Júlio. Continuou a sua corrida até que os seus braços conseguiram repousar as vontades no dorso do animal.
A ligação efectuada, os olhos de ambos fechados, e ali permaneceram todo o tempo do Mundo naquele instante.
António Júlio não deu logo conta, pela rapidez da situação, de quem era aquela criança que abraçava Castro com enorme afeição. Só passados alguns instantes a imagem da menina lhe surgiu nas lembranças daquela subida a são Jorge, no largo da Sé, em Lisboa. Recorda-se também do dia em que a linda rapariguinha partilhara com Castro um doce gelado, feito com as cores da amizade, no parque junto a sua casa. Lembrou-se que quase se levantara para falar com a senhora que a acompanhava, para lhe dar conta que o cão também era seu aliado. Essa mesma senhora tinha-se aproximado dos três, que ali, junto ao velho Taunus, deixaram que o tempo recuasse na vontade de partir.
- Desculpe! Quando dei conta já a Francisca tinha desaparecido feita tontinha na procura do seu cão! É seu, não é verdade? Mais uma vez, as minhas desculpas!
António Júlio levantou-se do assento onde permanecera arrebatado com a meiguice da menina. Olhou na direcção de Esperança, que lhe pedia encarecidamente desculpa com o seu verde olhar. Reparou depois na chegada da terceira senhora deste grupo. Pela maneira como tentou acompanhar a caminhada voluntariosa das duas primeiras concorrentes, estava ofegante e com as faces rosadas.
- Já deixei de ter idade para estas aventuras. Meu Deus! Vocês estão mesmo em boa forma! Pareciam atletas de verdade! Fiquei exausta! Ufa! Estou mesmo cansada!
E ali ficaram todos a dar razões ao tempo para não ter coragem em partir.
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