domingo, 20 de julho de 2008

Um cãozinho de presente


91.


Vivia cada segundo daquele abraço como a mais feliz das sensações. O coração cheio de carinho, os odores de Castro sentidos como cheiro de jasmim, tão belo. Não é necessário dizer a uma criança aquilo que a faz sentir feliz. Elas sabem bem do que gostam e não se coíbem de o procurar, pedir, antecipar e desejar com aquele célebre brilhozinho nos olhos. Valorizam todas as suas acções como se fossem derradeiras, o que lhes dá essa mística aura de centralidade universal. Não lhes interessam viagens, exageros descomunais na demonstração de afectos, tantas vezes carregados de impurezas e falsas juras de amor, nem se preocupam com a procura da eterna beleza, pois carregam-na feita pureza nos seus frescos corações de crianças.
A mãe de Francisca não aguardava por tamanha aceleração de movimentos por parte da menina. Certo é que deixou de sentir a morna tranquilidade da mão da filha, que galgou num repente aquele espaço que a separava do seu negro amigo. E lá se entretinham os dois num imenso abraço de amizade carregado com as pilhas da satisfação.
- Eu bem que te estou fartinha de dizer que a Francisca iria adorar receber um cãozinho de presente. Está já tão crescida. Com toda a certeza que seria bem capaz de tomar conta de uma companhia deste calibre, sem que te estejas sempre a preocupar com matérias de limpeza e outras miudezas sem sentido.
A avó da menina já não era a primeira, nem a segunda, nem mesmo a terceira vez que abordava este assunto com a filha. Sabia bem como tem sido complicado a Esperança tomar conta da menina sozinha, e que encara esta vontade de Francisca como mais um encargo e preocupação com que acabaria de ter de lidar.
- A mãe sabe perfeitamente que esta questão está, por agora, completamente fora de qualquer hipótese! Eu bem sei o que me tem custado ver a menina sempre a falar deste assunto, e que deseja um cão, e que adoraria poder ter um amigo destes com quem partilhar brincadeiras, etc, etc, etc…! E depois? Quem fica com o bicho no dia a dia? Acha bem ficar um animal fechado num apartamento o dia inteiro? E mais as vacinas, os passeios da praxe, todos os cuidados com a alimentação, é só trabalho, não pode ser! Quem sabe quando Francisca crescer um pouco mais, quem sabe?
Mas a maneira como a filha demonstrava e deixava espalhado por Castro as carradas de carinho em forma de afagos, atingiram-lhe o coração com tamanha violência que as palavras que lhe saíram da boca lhe derreteram as muralhas defensivas da razão!
- OK! Concordo convosco! Ganharam! No próximo aniversário de Francisca trataremos de vez este caso! E não se fala mais nisso, não vá eu arrepender-me da ideia e dar já aqui cabo do assunto!
Os olhos da avó de Francisca brilharam felizes pela sensata decisão de Esperança, fazendo jus ao bonito nome com que a baptizou. Tomou-lhe em seguida o comando da mão e avançaram as duas em direcção a Francisca.
- Vamos, nada melhor para recordar este dia maravilhoso de passeio que tu ires dar agora mesmo a Francisca essa espantosa notícia! Nem irá caber em si de contente!
Castro olhou para as senhoras que se aproximavam. Sentiu nelas o feliz olhar das coisas simples, feito perfume. Lambeu mais uma vez a face rosada de Francisca, ladrou em despedida por duas vezes e afastou-se daquele trio de senhoras. Desta maneira mais familiar trataram daquele importante assunto sobre coisas de felicidade. O sorriso de Francisca, visto de longe, iluminou o mosteiro com as mais perfeitas cores da Divindade!
.

Sem comentários: