sábado, 19 de julho de 2008

Gigantesco tigre


89.

Sem as chaves douradas não se consegue abrir a bela caixa de Alzira. De regresso à sóbria realidade, não se conformava com a transformação agora acontecida. Na sua ideia surgia ainda a Tia Berta com imensas asas nas costas, feita anjo, a avançar serena na sua direcção, para depositar nas suas mãos tão precioso tesouro.
As manas amparavam-se no caminho de volta a casa, andando Berta com todo o cuidado para evitar ferir os pés descalços. Vão segredando pequenos mistérios. Talvez a estranha derrapagem emocional da sobrinha seja mais forte do poderiam imaginar à primeira vista. Alzira sente vontade em deixar que as gémeas lhe ganhem algum avanço, mas algo lhe diz que será mais sensato ir ter com elas para que não cresçam em tamanho maiores desfavores na análise a seu juízo. Quanto mais se fala sobre estranhos assuntos mais crescem desmedidas observações sem sentido que, privadas de razão, provocam feridas mais profundas que afiadas lâminas de longas espadas de combate.
- Tias, esperem por mim! Deixem-me ajudar também. Contem comigo!
Alzira tirou os sapatos que Berta trazia na mão direita, deu-lhe o braço esquerdo para apoio ao que a tia agradeceu prontamente. Amparava-se com delicadeza nos braços da irmã e da sobrinha. Olhava atentamente para o solo para evitar pisar afiados galhos, pedras pontudas, silvas ou qualquer pequeno obstáculo cortante que lhe pudesse ferir os pés.
- Mas que coisa! Vai sair com certeza no jornal de amanhã. Tia tolinha descobre maneira trágica de destruir os sapatos. Saíram disparadas em seu auxílio a sua bela sobrinha e a gémea mana, que a carregaram em ombros até à salvação.
Alzira sorriu! Rosarinho deu conta da história deste sorriso e continuou a crónica da irmã:
- Durante o percurso da salvação foram raptadas por um gigantesco tigre em forma de gente que obrigou as senhoras a trepar-lhe para as costas, desaparecendo na direcção da misteriosa selva da quinta dos Sousa Bessa.
Mais sorrisos, quase sonoras gargalhadas, se iam agora acrescentando às palavras divertidas da Tia Rosarinho. Também Alzira ficou carregada de vontade em aligeirar o momento com a continuação do relato, acrescentando-lhe mais um temperado momento de literária inspiração:
- Com a vida em risco, as valentes heroínas saltaram-lhe para a frente, usaram o seu rabo como corda para lhe apertarem o pescoço, puxaram-lhe as orelhas e carregaram-lhe a língua com a mais picante das pimentas. Festeja-se hoje em Santo Tirso a vitória da tenacidade e valentia destas espantosas senhoras, abençoadas pelo poder secreto dos mágicos sapatos partidos da Tia Berta!
E acabaram as três em gargalhadas retemperadoras, continuando naquele desusado caminhar em direcção a casa, imaginando as imagens fotográficas que o repórter de tamanha façanha irá utilizar para ilustrar o acontecimento.
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