sexta-feira, 6 de junho de 2008

As bonitas cores do sangue

49.


Em Sabiano Raimundo as ideias eram agora de matança. Não conseguia dar conta da sua irritação se não matasse alguém rapidamente. Os seus acompanhantes seguiam o líder em silêncio ainda com a imagem de Rashid e do Leonês bem frescas na memória. Sabiam que não seriam de calmaria as próximas horas da jornada, apesar do profundo silêncio em que marchava agora este bando.
- Não podes dar alimento de matança às tuas vontades com algum dos que te acompanham, apesar de nada estes te dizerem! Acaso quererás finalizar sozinho estes propósitos? Será possível continuar a espalhar o terror, conforme combinado com esse Rei Afonso IX, de forma solitária? Não te parece que para esta tarefa, ainda que sejam apenas o meio para alcançar esse propósito, estes trastes semi-vagabundos são imprescindíveis? Mata mas é a primeira viva alma que te aparecer no caminho só pelo prazer de sentires o imenso poder contido nesse gesto! Mata pelo prazer de sentir a voz penitente e desesperada dessa existência! Mata pelo prazer de te deleitares com as cores da morte antes da sua verdadeira entrada em cena. Mata pelo secreto prazer de te arrebatares com as bonitas cores do sangue! Mata, mas mata depressa, caso contrário, esta voz permanecerá neste constante e incessante metralhar da tua alma a varrer-te alguma das réstias de sanidade que ainda possas em ti carregar como se uma maleita disforme te arranhasse o cérebro por dentro até dele nada mais poderes extrair, somente dor!
Sabiano ensandecia com esta imensa algazarra na sua cabeça a violentar-lhe as vontades com excessivo volume que continuava a amplificar mesmo nas mais remotas e escondidas áreas das suas lembranças.
- Mata, mata depressa, com crueza, com força, com raiva incontida. Mata para ver de que cor é feita a morte dos outros e mesmo aquela tua que ainda não sabes se terás! MATA, MATA, MATA, MATA....!!!!!!
Sabiano Raimundo começou a rodar sobre si próprio sem destino. Agarrou com violência a sua cabeça pelas orelhas, cerrou os olhos de dor e abriu a boca para usar as cordas vocais como talvez nunca um ser humano até à data lhes tenha dado uso, gritando, uivando e bramando para quem dentro de si tão alto lhe falava:
- CAAAAAAAALAAAAAA_TE!!!!! Cala-te de uma vez por todas! Deixa-me em silêncio as ideias!
Com a adaga cortou grandes pedaços do seu cabelo, feriu-se, cortou várias vezes a zona do rosto até que neste se podiam as mãos lavar em sangue. Mutilou o antebraço esquerdo com variados cortes que ensoparam as vestes que o cobriam. Virou-se em seguida para os seus, que a tudo isto iam assistindo em silêncio e continuada estranheza, e falou:
- A próxima povoação que encontrarmos no caminho seja ela pequena, média ou de valor, conhecerá as novas crueldades dos meus intentos! Jamais nesta terra ingrata alguma vez homem algum outro tratou ou tratará em frieza de praxes conforme eu me encarregarei de fazer às próximas vítimas, habitantes desse lugar.
E sem sentir as dores das feridas que a si próprio aplicou, somente as estridentes e volumosas berrarias que lhe iam devastando a alma, montou Raimundo a cavalo, berrou com desvairo e abalou numa cavalgada alucinada sem aparente rumo ou destino. O restante grupo rapidamente, da forma que ia conseguindo, seguiu as pisadas alucinadas de seu chefe sem qualquer pinga de hesitação.
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