segunda-feira, 23 de junho de 2008

O afago da amizade


72.

As palavras iam aparecendo a António Júlio, organizadas, pausadas, alimentadas pelo vento Norte que lhe despenteava a figura. Já não desejava outras maneiras de trabalhar os dias. Sentir esta acção revigorada em si dera a António Júlio o balanço gostoso de que necessitava há largos meses. Não restava agora qualquer dúvida. As certezas de transferências inspiradoras que se colam à raiz das luzes perfumadas destes medievos locais históricos dão a Tó a indicação de dias bem mais esperançosos. Castro aproximava-se de si de forma decidida após o assobio da intimação. Largava já António Júlio a caneta da mão para serenar os negros pêlos do cão. O afago de amizade passeava agora na sua cabeça.
- Estás cansado! Não resistes aos apelos destes lugares. Mal dou por ti a passear as patas pelas calçadas destes monumentos e já tu desapareces esbaforido pelas sombras da vegetação, procurando a tua paz de espírito. Castro olhava para o amigo, acalmando as vontades de corridas. O mimo sabia-lhe bem.
Cerrou os olhos momentaneamente para melhor sentir aquele momento em odores. O tempo travou, passou a caminhar bem mais lentamente. Foi como se uma magia lhe tivesse tomado conta dos sentidos. Aqueles afagos eram doces, retemperadores. Daria tudo para que aquele instante pudesse durar bem mais do que estes segundos de existência rara.
- Vamos andando? Bem boa esta manhã! Sem querer já se vai fazendo tarde para a bucha! Não me digas que não te vai fazendo falta a merenda, hem Castro? Um buraquinho no estômago a fazer a chamada para o repasto. Vamos lá embora que se vai fazendo tarde. Depois da merenda abalaremos em direcção a Coimbra. Aproveitar este nosso passeio para ir dar uma vista de olhos à faculdade da minha juventude!
Castro não se mexeu! Continuou tranquilamente a sentir aquelas carícias em si, lentas, doces, perfeitas! Os odores em forma de paz. Castro experimentou tamanho prazer em se ter assim sentido acarinhado, como só as crianças de colo chegam a sentir quando abraçadas pelo amor dos Pais. Deixou-se ficar para trás. O tempo continuava a passar a metade da velocidade, bem suave, bem tranquilo. Uma mão divina deu conta desse desarranjo carregando no interruptor do tempo com vigor, voltando a dar-lhe a correcta velocidade de andamento. Castro parecia ter acordado subitamente daquele gostoso torpor. Olhou na direcção de Tó que descia em direcção à saída do castelo. Correu na direcção do amigo guardando para sempre na lembrança, com zelo canino, os saborosos pactos de firme amizade que vão os dois construindo, como muralhas de irrepreensível vigor.
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