terça-feira, 3 de junho de 2008

Credo in Deum


43.


O rapaz não teria mais de onze anos. Era fácil perceber nele esperteza infinita. Aqueles sinais de tudo querer absorver como se disso dependesse o próprio ar que respira, não deixavam grandes dúvidas a Fernando Dias. Foi a perpétua vontade de necessitar dar respostas a suas curiosidades que o devem ter segurado por ali.
- Diz-me lá rapaz, não te pareceu perigoso ter ficado por aqui sozinho? Sabes, pois esperteza vive em ti com fartura, quão grande foi o risco corrido em teres dado consentimento a essa tua vontade?
O rapaz logo percebeu que este senhor detinha sabedoria suprema. Tinha mesmo a certeza de ter finalmente ouvido uma voz com a frescura da própria luz que nasce da terra em forma de tempo ou destino.
- Sim meu senhor. Todos abalaram com os cavaleiros que certamente vossemecê bem conhece, pois iguais são as cores de suas vestes. A berraria foi curta. Os preparos em dar ordem de corrida às pernas, esses, foram coisa de meia-hora, talvez. Os padres gostam de levar coisas terrenas no regaço. Bem apertados iam com as “gordinhas” vestes onde esconderam coisas de valor, daquelas que só os grandes homens sabem distinguir das outras. Parecia que se estavam a assaltar a eles próprios. Os irmãos seguiram os cavaleiros. Os arquitectos vindos de Zamora e outros que falam francês seguiram por último. Todos pareciam apressados em dar salvação à vida, ameaçada que estava de coisas ou gentes deles não conhecidas. Os cavaleiros avisaram que um grupo armado muito organizado, supostamente de árabes, nos viria roubar, atacar e a todos matar e outras coisas muito más que não tive ocasião de ouvir até ao final.
Desta forma segura e de cortar o fôlego deu o moço conta do sucedido em Ferreira. A língua era afiada e detinha ligeireza nas lides da prosa.
- Percebo das tuas palavras que pouco ou nada te escapa ao interesse. Mas continuo sem ser dono da resposta que pretendo ouvir. Afinal de contas, porque ficaste por aqui se foste avisado que estavam todos em perigo de morte? Serás tu por acaso um mouro encantado? Teremos nós aqui connosco um espião moçárabe convertido ao serviço do novo califa, filho de Al Mansur?
O rosto do rapaz transformou-se! Franziu as sobrancelhas, semicerrou os olhos, as vestes maltrapilhas ergueu, fazendo uso dos braços e dos pés para em pontas se elevar. Nestes preparos abanou violentamente a cabeça e o seu cabelo usou para tapar o rosto, ficando a parte da testa e metade da cara totalmente coberta pelas madeixas de cor clara e muito sujas. Foi assim desta maneira muito imprópria para a idade do corpo que a carrega, que começou esta alma a pregar o Credo num perfeito latim:
-“Credo in Deum,
Patrem omnipotentem,
creatorem caeli et terrae.
Et in Iesum Christum, Filium eius unicum,
Dominum nostrum: qui conceptus est de Spiritu Sancto,
natus ex Maria Virgine,
passus sub Pontio Pilato,
crucifixus, mortuus et sepultus;
descendit ad inferos;
tertia die resurrexit a mortuis;
ascendit ad coelos;
sedet ad dexteram Dei Patris omnipotentis;
inde venturus est iudicare vivos et mortuos.
Credo in Spiritum Sanctum,
sanctam Ecclesiam catholicam,
Sanctorum communionem´
remissionem peccatorum,
carnis resurrectionem,
vitam aeternam.
Amen

A forma como esta criança encenou esta oração silenciou todos aqueles que a testemunharam durante longos instantes. Fernando Dias colocou-o às suas costas e daí para a garupa da sua montada.
- Precisamos de ter uma longa conversa meu rapazinho! Para já conseguiste obter exemplarmente a atenção de todos nós.
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