terça-feira, 24 de junho de 2008

Conversas de mulheres adultas


73.

Transportamos as ideias com que construímos as vontades numa redoma de segredos. Alzira não se incomodou com o facto da mãe ter saído de manhã sem ter conversado consigo primeiro. Já estava habituada a este relacionamento distante da sua parte. Tinha sido mais importante a encomenda postal do que o sucedido na véspera. Ao mesmo tempo, esta significativa indiferença tranquilizava-a. A importância desses seus actos fica relegada para o relativo valor que lhes deve ser concedido.
As tias gémeas acabaram por responder, naquela forma muda, à questão colocada pela sobrinha. Um sorriso de surpresa, condimentado com uma pitada de candura, o quanto baste para serenar as vontades de inquéritos mais aprofundados. Foi através desta airosa forma de dar fugas aos intentos inquisitórios que ganhou Alzira tempo para apreciar, com maior atenção, as deliciosas gémeas, suas companheiras de infantis brincadeiras de antigamente. Já mulheres, já tão adultas. Os seus olhos reflectem ainda algum do brilho que carregavam quando criavam aquelas brincadeiras de bonecas em que Alzira era transformada na principal figura das histórias mágicas que inventavam. Ao crescer, essas mágicas e criativas inspirações carecem de alimento, tornam-se mais fugidias, retraídas pelas regras do adulto crescimento, como se alguém sadicamente se divertisse a aparar as asas dessas fadas de infantis comportamentos.
- Estamos já bem mais crescidas, não concordam queridas tias? Apesar de tudo, não posso deixar de sentir esta passagem do tempo como um sopro maléfico que nos vai roubando a existência e acrescenta tonelagens aos nossos cargueiros de memórias.
As tias ouviram e colocaram no rosto novo sorriso, agridoce, transparente na transmissão da confirmação das palavras de Alzira.
-Pois estamos, mas também estamos bem mais maduras e sabidas, pois essa é a mais-valia do desempenho dado nas lides do crescer. A irmã ia dando consentimento com o leve abanar da cabeça ao mesmo tempo que trincava mais uma deliciosa fracção do pão-de-ló. Olhava para a sobrinha e para aquela cópia exacta da sua figura e sentiu ali o tempo a segredar-lhe palavras ao ouvido, fantástico no seu lânguido caminhar mas que tudo varre e arrasta ao avançar.
- Credo meninas! Mas o que é que vos deu para estarem tão atentas a estas coisas do tempo? Parecemos aquelas senhoras velhinhas a pensar nos prazos que lhes vão ficando para dar vazão aos tricôs, caramba! Estarão a ficar xexés? Vamos mas é dar uma bela passeata e aproveitar o resto desta magnífica manhã de sol!
As senhoritas riram gargalhadas de prazer. Acabaram o pequeno-almoço numa mistura de saudáveis recordações infantis, com o acrescento na memória destas novas maravilhosas conversas de familiar partilha.
O Verão também serve para enternecer, morna e suavemente, as humanas existências que se abrigam por debaixo do seu manto acolhedor.
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