sábado, 14 de junho de 2008

Humanos pensamentos Reais


61.

El Rei Dom Sancho não conseguia serenar a sua temperada personalidade nestes dias de peste. A morte de mais de uma vintena de cónegos do Mosteiro de Santa Cruz, que auxiliavam o povo na dor e que ministravam os sagrados sacramentos, maior raiva lhe causava. Como era possível que em tão sagrada e nobre causa de auxílio ao próximo, se findem assim as vidas de quem os defende e ampara? A tudo isto e a muitos outros assuntos de estado, de índole religiosa e política, de particulares e régios poderes, de intensas e nem sempre justas imposições papais, de estranhos relatos chegados de Veneza acerca de acordos à revelia do Papa Inocêncio III para alterações aos planos iniciais da quarta cruzada a Oriente, de estranhas e muito cruéis mortes de frades e religiosos a Norte, mais a de quarenta habitantes de uma aldeia inteira, vítimas de uma estranha e indescritível chacina. Nada trazia, por estes dias, a paz de espírito que os quase cinquenta anos de idade da real figura já ansiavam. Também a Infanta D. Teresa, desde o anulamento do seu casamento com Afonso IX de Leão, tem sido de difícil trato na maneira como tem lidado com as alterações que impôs no Mosteiro em Lorvão, passando agora a ser apenas regido por monjas e de ordem Cistercense. O Rei tem tido alguns dissabores, pois ama verdadeiramente a sua infanta, filha mais velha, e sofre como Pai extremoso, as agruras sentidas pela filha nas exigências impostas por Inocêncio III e pelo próprio Rei de Leão, seu antigo genro.
O Rei sabe, pois sucesso têm tido as secretas formas de fazer chegar notícias sobre a missão de Fernando Dias e seus templários a Norte, que as figuras que deseja ver desaparecidas, continuam ainda as suas acções miseráveis. Os cobardes actos de guerrilha desse bando de criminosos chegaram já há algum tempo ao conhecimento régio. Desde os tempos de Pinhel que suspeita de actos não isolados de um grupo de marginais, que acredita agora, sempre terem estado a soldo de Afonso IX de Leão!
A vista que tem à sua frente de Coimbra é perfeita, mais tranquila e cenográfica seria seguramente difícil. As obras da Sé Catedral correm a bom ritmo. Os arquitectos franceses que tão bom trabalho vêem realizando, tinham novamente chegado de Lisboa para darem conta de alguns detalhes e pormenores de melhoramentos nas estruturas finais dos claustros. O Mondego corria livre e esperançoso!
Se as tarefas mais nobres de perpetuação de divinos acontecimentos correm de forma satisfatória, porque lhe responde Deus Nosso Senhor com estes dias de peste, lhe mata os fiéis e a quem, de tão santas formas de agir, fez também em santidade o percurso de suas vidas? Porque levou, em último sacrifício, o Seu próprio Filho? Porque mantém em poderes tão elevados figuras como a deste papa Inocêncio, que enriquece a igreja de Roma de formas tão desumanas, que tanta dor e agitação vem causando, que não se digna a olhar o seu rebanho, o rebanho de Cristo e de Pedro, conforme no início a Santa igreja Cristã, pobre e intensa na aplicação do espírito de Deus, assim designou?
Pensa para si, Dom Sancho, que estes são pensamentos hereges. Não fosse ele a mais importante figura do reino, quem deve, senão o próprio, com cuidado supremo, temperar, com brandura, serenas calmarias nesses pensamentos impuros. Qual é o peso desse crime? As vozes de pensamentos humanos serão por Deus escutadas, como tal… a resposta a estes trágicos dias e aos sucessivos relatos de tragédias no reino e além dele, tornaram Sancho convencido que seriam estes seus pensamentos mais incautos, os portadores destas divinas desgraças.
- Não haverá assim construção em Terra, conquista em Fé, pagamento em dádivas e peregrinas viagens a destinos sagrados que lhe possam aplacar a ira por via destas deslocações do espírito? Quem será então o herói de Sancho, meu Senhor? Quem será então o herói que fará com que este Reino possa viver dias de mais temperada luminosidade?
Estava assim perdido em pensamentos mais audíveis quando um mensageiro deu conta de encomenda através de real aviso dela feito.
- Meu senhor, El Rei Dom Sancho de Portugal. Por ordem da infanta Dona Teresa, sua filha em Lorvão, lhe fazemos chegar em mãos encomenda por esta via.
O selo de Teresa destruído de maneira rápida, um papel que a Infanta lhe escrevera, fazendo informação a seu Pai que um imenso horror lhe tinha aquela caixa provocado. Dela, um cheiro putrefacto emanava. Encontrara a Infanta em passeio matinal pelo mosteiro, aquela caixa junto à porta que dá acesso ao exterior do átrio. Todos os dias a usava para sair em passeio e oração. O cheiro causou estranheza, o conteúdo perplexidade!
Era uma mão decepada, os ossos no pulso esmagados pela violência utilizada ao dar uso ao instrumento de corte. O sangue já seco, o cheiro horroroso e por entre os dedos da mão um santo crucifixo. No dedo anelar trazia um anel de importante figura da igreja, aí deixado com a intenção segura de dar ajuda na identificação do dono desta mão.
-Trágicas são as vontades mantidas entre sábios homens destes desejos de mortes cruéis! Este sinal não é mais que uma ameaça aberta à vida de minha própria filha e, em última instância, uma ameaça séria à própria vida do Rei!
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