quinta-feira, 12 de junho de 2008

Lignum Sanctae Crucis


59.

- Senhor Fernando, o motivo pelo qual aqui me trazeis prende-se com a necessidade que em si viu crescer de procurar respostas para as palavras que lhe fui apresentando, não é assim? O mestre Templário acenou afirmativamente à questão colocada por Gonçalo de Arriconha. Depois de por breves instantes terem dado descanso à sede, Fernando Dias olhou para o infantil rosto do adolescente, ainda não refeito da forte impressão que esta figura tinha em si provocado. Passeou a mão esquerda pelo rosto entretendo as barbas. Vestiu a cara com um semblante sério e circunspecto e começou a conversa:
- Caríssimo Gonçalo, como calcula, tem sido extraordinária esta experiência! O facto de o ter conhecido, as formas com que adorna os seus gestos e palavras, a capacidade de análise às maneiras de ser e de agir dos que giram à sua volta são verdadeiramente notáveis. Revelam dotes ou dádivas tão impares que se mal utilizadas ou interpretadas poderão trazer dissabores imensos, não só à sua pessoa mas também àqueles que consigo vão lidando. A sua idade careceria ainda de muito tempo para o honrar com a sabedoria necessária para que esses dotes pudessem sair de si assim tão fluidos. Estes acontecimentos tiveram o mérito de confrontar meu meditar com a possibilidade de que o Gonçalo carrega algo de verdadeiramente divino em seu destino. É muito novo para que possa já agir dessa forma tão lúcida e sensata. Tão firme no transportar das certezas que alguns idosos sábios jamais experimentaram ao longo de suas vidas.
O rapaz permanecia muito tranquilo, sereno, sentado de forma recta. Suas pernas não atingiam o chão mas o seu olhar carregava o peso de segredos e certezas por revelar. Esteve muito concentrado nas palavras do Templário. Com as mãos pousadas na mesa que entre ambos repousava, olhar de moço e rápido verbo, respondeu:
- Fernando, Mestre Fernando! Não posso deixar de agradecer as suas palavras, pois nelas estão desenhados perfis de alguma admiração e espantamento. Não me leve muito em conta pois as coisas são somente aquilo que as coisas são. Tenho relevantes relatos para lhe transmitir. A importância de que se revestem é grande pois vivemos conturbados tempos de políticos e religiosos interesses que irão causar enorme devastação e variadas cissões dentro da própria casa do Senhor. São os símbolos sagrados, aqueles que em si transportam a verdadeira fé e essência do espírito Cristão, que nos compete preservar e defender a todo o custo. As nossas vidas nada são quando comparadas com a força das reais relíquias insignes e do poder que estas possuem. É nosso dever manter a chama do Cristianismo pura, como pura é a palavra do Senhor, como puros foram os seus ensinamentos e a capacidade miraculosa de fazer mudar as pagãs mentalidades de outrora. Ouvi a meu religioso professor, Frei Humberto de Poitiers, que Coimbra foi palco de um desaparecimento verdadeiramente assombroso já há alguns anos atrás, seguramente há mais de duas dezenas. Uma magnífica e nobilíssima cruz em ouro foi dada como desaparecida da Sé de Coimbra. Essa importante cruz foi depois resgatada pelo antigo bispo de Coimbra, Dom Miguel Salomão, que dela acabou por fazer doação para espólio da Sé em construção, de forma a conseguir incentivos ao financiamento de tão importante e valoroso monumento. Pelo documento secretíssimo que consegui ler, sem que disso tivessem dado conta as bracarenses figuras reunidas em plenário episcopal, essa cruz encontra-se ornada com as pedras do Santo Sepulcro, sendo uma maior e as outras mais pequenas. Além destas pedras, essencialmente preciosas no plano espiritual, atendendo à sua procedência, a referida cruz ostenta outras pedras do Monte Calvário. Ao centro, encontra-se a imagem do Cristo crucificado, artisticamente esculpida. Aos pés, um fragmento do Santo Lenho. Num lado, encontra-se a imagem da Virgem Mãe, de pé, junto à Cruz. Do outro, a de S. João. Esta preciosa cruz apoia-se numa pedra do Calvário que, por sua vez, tem sobreposta uma pedra do túmulo do Senhor, com uma relíquia do Santo Lenho, embutida, em forma de cruz e perfeitamente visível. Podemos dizer que esta artística cruz constitui uma genuína reconstituição do Calvário, não só pelas personagens representadas mas também pelos materiais utilizados. Acredita-se, com as forças que a vontade divina nos carrega em fé dedicada, que devem ser considerados como autênticos. Como compreende, é totalmente desnecessário insistir no simbolismo que lhe está subjacente em termos doutrinários e mentais e no seu interesse para o tema que nos ocupa. Se esta cruz for resgatada ou caso se possa saber a sua actual morada, também desnecessária é a explicação do poder e da extraordinária importância que a posse dessa cruz trará a seus portadores.
Fernando Dias estava seguro que estas palavras de Gonçalo procuravam de si a resposta que ele próprio desejava dar já naquele instante. Reveste-se de importância primeira a tentativa de dar mérito a esse documento que Gonçalo disse ter lido. Necessita de provas muito concretas e fidedignas pois se esse importante símbolo cair em erradas mãos, perder-se-á por anos incontáveis a possibilidade de dar o correcto uso a tão divino poder.
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