sexta-feira, 20 de junho de 2008

Os diferentes códigos da palavra do Senhor


67.

-Vês onde estamos! Devemos concentrarmo-nos para não nos envolvermos em algo tão abominável. Alguém matou um padre!
Os olhos percebem a intenção dada pelo objecto. Dedos fracturados, pulso partido e violentamente cortado com, tudo leva a supor, um machado de lâminas duplas. A tensão sentia-se enquanto os dois eclesiásticos responsáveis pelas coisas de doenças analisavam o objecto que tinha sido largado, de forma intencional, junto a uma das entradas do Mosteiro de Lorvão. O mais novo de entre os dois sentiu um arrepio percorrer de alto abaixo o seu corpo enquanto o mais observador insistiu em cortar a mão desde o pulso até ao centro da palma com uma espécie de faca com lâmina de sua criação. Similares procedimentos de análise científica só mais tarde no tempo foram utilizados mas frade Mancussio, recentemente chegado a Coimbra vindo de Génova e agora estudioso das implicações surpreendentes da peste na cidade do Mondego, analisava cuidadosamente o interior agora exposto como se dali procurasse respostas para perguntas que, supostamente, a sua mente lhe ia colocando. Mandou lavá-la com óleos e álcool enquanto continuava a observar com cuidado a caixa onde tinha sido encontrada. Identificou e analisou pormenorizadamente todos os pequenos indícios da mão. O inchaço, a cor escura e o seu intenso cheiro a podre davam-lhe certezas de que o dono daquela mão estaria morto há dias.
El Rei Dom Sancho tinha requisitado estas estudiosas figuras ao Mosteiro de Santa Cruz para que lhe pudessem dar alguma luz sobre a proveniência, intenção ou até tentar descobrir quem seria o dono daquela mão largada no Lorvão. O padre Genovês considerou bastante estranho o crucifixo que a acompanhava. Era de cruz Bizantina notavelmente pintado à mão com riqueza de pormenor. Atrás da figura pintada de Cristo está o seu túmulo aberto, tendo ainda dois grupos de dois anjos pintados por sob as suas mãos. Cristo tem os olhos abertos, está vivo e venceu a morte. Por baixo dos pés de Jesus estão representados seis santos aparentemente desconhecidos. Talvez sejam Damião, Rufino, Miguel, João Baptista, Pedro e Paulo, todos patronos de igrejas na área de Assis. Estava esta parte da pintura muito danificada e não permitia uma mais ajustada identificação. São Damião era o patrono de uma pequena igreja onde Mancussio se recordara de ter observado uma cruz bizantina, exactamente igual a esta pequena e maravilhosa réplica que tinha agora na frente de seus espantados olhos. São Rufino era o patrono de Assis.
O Padre tremeu! Sentiu que estava a ser utilizado para receber sinal de que algo verdadeiramente grandioso estava ou estaria perto de acontecer. O seu corpo cedeu, as pernas perderam forças. Caiu sobre os joelhos desamparado. Tinha de voltar para Génova e daí para o sul. Aquela cruz deveria seguir caminho consigo e dela dar comunicação rápida ao papa Inocêncio pois foi essa a força da palavra que lhe aqueceu suavemente a lembrança. Rezou horas a fio procurando por mais iluminadas instruções. Comunicou todas estas experiências ao bispo em Coimbra, Dom Pedro Soares, que a El Rei Dom Sancho as replicou. Ficaram assim o Rei e o Bispo, durante largos instantes, pensativos nestas sinaléticas de coisas sagradas. Estava este novo reino a ser testemunha de mui importantes mensagens divinas. Não restam dúvidas a Dom Sancho que as cristãs terras Lusitanas eram utilizadas pelo Senhor para nelas fazer passar os diferentes códigos da sua Palavra.
Mancussio tinha partido pela manhã acompanhado por um séquito de uma vintena de importantes religiosos e outras militares figuras da confiança do Rei, todas envoltas no mais discreto secretismo. Aquele crucifixo bem como o portador da sua divina mensagem terão de chegar incólumes até junto do Papa Inocêncio III.
Seja feita a Sua vontade, assim na terra como no Céu!
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