sexta-feira, 6 de junho de 2008

Gonçalo de Arriconha


48.

Após alguns continuados silêncios pelo Credo ainda a ecoar nas memorias dos templários, Fernando Dias olhava para aquele pequeno rapaz que colocara na garupa da sua montada. Percebeu em sua posse e entoação de palavras que divinos segredos dentro dele transportava. O rosto do jovem olhava o horizonte com firmeza, sem receios, como se os seus movimentos, gestos e palavras fossem entendidos como formas divinas de sentir. O rapaz percebeu que o Mestre lhe media as firmes posses e trejeitos nobres e continuando a fixar o horizonte como se o estivesse a decifrar, assim falou:
- Meu nome é Gonçalo. Sou pequeno e meu corpo não trás a indicação correcta da idade que transporta. Tenho já catorze anos e sempre os senhores se iludem nesta minha aparência rasteira, julgando-me ainda pequeno homem. Saiba excelência que aqui me encontro com um honrado sacerdote vindo de Braga encarregue da minha educação cristã pois assim meus pais destinaram desde tenra idade. Saiba excelência que vislumbro em mim vontades imensas de abalar rumo às distantes terras do Senhor. Visitar os túmulos dos apóstolos Pedro e Paulo e as Santas terras da Palestina e Jerusalém. Saiba excelência que possuo em mim certos dons de premeditação e que vislumbro imagens de coisas santas e sagradas por acontecer como se Nosso Senhor em meu destino as lavrasse.
Fernando Dias a todo este discurso ia dando atenção, não movimentando a face, permanecendo o olhar no solo, como se melhor assim se concentrasse nas palavras de Gonçalo.
- Nasci aqui perto, junto a Vizela, em Arriconha. Não posso deixar de considerar imaculada ou desprovida de propósitos sagrados a passagem do Mestre Fernando por Ferreira mais os de sua ordem Templária. Considero todos os acontecimentos passíveis de análise e de índole absolutamente sagrada, como sagrados são todos os desígnios do Senhor.
Por esta altura notei alguma mudança no rosto de meu senhor como se uma luz lhe tivesse transmitido secretas esperanças na segurança divina daquelas sagradas terras de Ferreira. Olhou para mim, pediu-me o cantil de água fresca, bebeu dele e dele deu a beber a Gonçalo, que agradeceu com um sorriso.
- Esse aí trás dentro da alma importantes futuros por revelar. São grandes e misteriosos os santos desígnios de Senhor e os papéis sagrados que a cada alma no Mundo vai destinando, só a alguns são concedidos. Só por instantes a esses serão revelados. Para esse seu pajem guardada está tarefa bem Divina. Mas percebo em mestre Fernando motivos sentidos de igual previsão ou previdência. Sente, como eu, que seu pajem não é figura por quem os normais destinos terrenos fluam ao acaso. Sente, como eu, que os nossos destinos não se cruzaram aqui e agora apenas por mera casualidade. Sente, como eu, quão fortes e poderosas são em si as palavras do Senhor.
Fernando Dias deteve agora o seu olhar no olhar de Gonçalo que olhava para si com um sorriso no rosto. Os dois olharam em minha direcção e com o mesmo sorriso observaram-me como se em mim entendessem coisas que me eram totalmente alheias à razão. O rapaz atirou-me o cantil já vazio. Olhou novamente de forma fixa o horizonte, cerrou os olhos, abriu os braços ao alto e rezou um Padre Nosso:
- Pater noster, qui es in caelis:
sanctificétur nomen tuum;
advéniat regnum tuum;
fiat volúntas tua, sicut in caelo, et in terra.
Panem nostrum cotidiánum da nobis hódie;
et dimítte nobis débita nostra,
sicut et nos dimíttimus debitóribus nostris;
et ne nos indúcas in tentatiónem;
sed líbera nos a malo.
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