segunda-feira, 9 de junho de 2008

Um verdadeiro paradigma da vida


51.

Estava este seu novo sono a transmitir mais tranquilidade às tias. Maria do Carmo, por seu lado, ainda não conseguia entender toda a complexidade destes estranhos comportamentos de Alzira. Nunca dera sinais de alteradas formas de agir. Do colégio continuavam a ser perfeitas as informações que a mencionavam como aluna excepcional. Surgindo assim como furacão na calmaria, estas súbitas formas de acção anteviam alterações na alma de Alzira que tinham apanhado completamente desprevenida sua mãe.
- Já dorme! Estava cansada, exausta! Deve ter corrido e andado aqueles quilómetros todos sem se ter apercebido! Não fossem as colegas dela a darem-nos conta do segredo daquela localização, ainda estaríamos agora à sua procura!
Carmo nem ouviu estas palavras da irmã, tão absorta se encontrava em turbilhão de ideias e pensamentos.
- O que me causou mais estranheza foi nunca ter visto a Alzira tão apática. Parecia totalmente ausente como se tudo à sua volta pura e simplesmente não existisse.
Também estas palavras de sua outra irmã passaram ao lado do entendimento de Carmo que se mantinha de olhar vago, segurando uma chávena de chá verde com a qual ia aquecendo as mãos, envolvida nas várias imagens que lhe percorriam os receios.
- Nem sei que vos diga!? Continuo aqui a dar voltas e mais voltas às ideias, tentar encontrar algum motivo ou razão para esta alteração aos comportamentos de Alzira e continuo sem saber o que dizer! Vai apanhar um castigo à altura da angústia enorme que me varre o coração. Nem consigo articular correctamente as frases com esta confusão toda!
As irmãs trocaram olhares, sentiram o mesmo reflexo ao ouvirem a irmã mencionar a palavra castigo como se tivessem imediatamente entendido que não seria seguro ser esse o melhor tratamento a dar à situação.
- Carminho, se nos ouvir e às nossas opiniões desejar dar crédito, não nos parece ser acertada a ideia de castigar Alzira. Estes comportamentos, por vezes, trazem neles escondidos factores que serão próprios da sua idade. Eu ainda me lembro que havia alturas em que, de noite, acordava apavorada com pesadelos que me torturavam a razão e dos quais, até hoje, nunca dei conta a não ser à mana. Ainda me recordo dela confirmar esses sustos porque também os sonhava e deles nunca tinha dado aviso. Calhou eu ser com ela mais aberta, ter sentido tanto mas tanto medo que tive de lhe transmitir essas atormentadas tropelias que me danavam os sonhos.
A toda esta conversa da irmã a gémea ia dando crédito com o oscilar da cabeça, validando esta confissão com a ligeireza do gesto.
- E depois? Será porventura um pesadelo aqui e acolá capaz de dar à miúda motivos para esta parvoíce? Não me convencem! Estou capaz de lhe dar uma tareia quando tudo isto arrefecer e eu conseguir arrumar melhor as ideias. Mas onde é que já se viu isto? Estivesse aqui o pai dela e o cinto já teria funcionado com quantas forças tivesse o Álvaro nos braços!
Com estas palavras duras, quase amargas, Carmo levantou-se, largou a chávena fumegante e dirigiu-se para as escadas que a levaram em direcção ao quarto. Com a porta aberta, segurando-a com a firmeza de uma raiva incontida, preparou-se para a largar com violência fazendo uso do seu ruído para lhe aliviar a pressão. O estrondo ecoou por toda a casa como um trovão imenso mas sem clarão informador.
Maria do Carmo chorou depois de raiva, de desespero e cansaço, qual das três mais fortes e difíceis de suportar. Caíram em diferentes momentos pelo rosto carregado já com as marcas do tempo que com cruel lentidão lhe ia roubando a firmeza das cores florais como um verdadeiro paradigma da vida.
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