quarta-feira, 18 de junho de 2008

Complexa equação dos sentidos


65.

Do diário de Alzira, segredos guardados como relíquias imortais, pelo conteúdo, pelo trato dado, de adolescentes formas de sentir. As paixões exacerbadas, os exageros desmesurados, os receios em crescer, em sentir medos, em colocar a morte na ponta dos dedos, essa sensação de finito que ganha sempre contornos densos e pesados nesse patamar do humano crescimento.
O corpo ganha apetecíveis formas e confusas sensações. Alzira sentia-se como uma artista de circo. Uma engolidora de fogo e de espadas, jurando ser capaz de actos de magnífico assombramento com os quais colocava o público em delírio, ovacionando por largos minutos as suas audazes actuações. Não se sentia humana, nem conseguia perceber aquelas novas formas como suas. Subitamente, ao olhar para si, era como se uma vida dupla lhe vestisse as ideias e tomasse conta dos sentimentos mais escondidos. O fogo cuspido pela boca enlouquecia um público cada vez mais enfeitiçado pelas cores de labaredas inebriantes. Alzira delirava com estes seus novos poderes arrebatadores. As roupas que em si julgava ver vestidas eram de inspiração indiana, como as bailarinas hindus que, descalças, vão envolvendo os espectadores em misticismo brâmane, utilizando coreografias de La Bayadére.
Como podia Alzira explicar esta tamanha confusão de ideias, a não ser dando uso às secretas folhas de seu diário para nelas colocar as antestreias da alma. Não as desejava perder, não as desejava codificar em segredos de salvação. Não conseguia suportar estas alterações se não se detivesse por instantes nas suas escritas explosivas que iam rebentando como bombas nas perfumadas folhas dos seus diários.
Não fazia a mais pálida ideia de como os seus pensamentos lhe ardiam assim a função. Sabia que não existia pessoa alguma a quem tivesse coragem de dar a conhecer estas novas forças que cresciam como lava dentro de si. Surpreendentemente, as mãos passaram a ser suas apaixonadas ajudantes, concedendo-lhe internos prazeres que pensava serem de desencorajar pois pecaminosos lhe surgiam. O respirar tornava-se mais selvagem. Os dedos examinavam os espaços do prazer a correrem-lhe desenfreados por entre as suas pontas.
A razão recomendava-lhe comedimento. O corpo e os sentidos davam-lhe contrárias indicações, acenando-lhe como belos jovens feiticeiros nas clareiras de mágicas florestas de sedução. Depois das descobertas destes novos prazeres, depois de aberta esta caixa de Pandora dos sentidos, Alzira sentiu novo formigueiro nos dedos. Tinha de lhes dar alimento para as necessidades de escritura.
Com as sábias palavras com que tecia as conversações secretas das perfumadas páginas dos seus sonhos, este gigantesco segredo juvenil foi acrescentado à colectânea de registos com que vai alimentando os seus amigos fiéis. Esta complexa equação dos seus sentidos veio acrescentar à já conturbada agitação destes últimos dias, uma ainda maior desorientação de ideias. Mas a felicidade, essa, continua a ser construída por estas “estranhas pequenas coisas”, estes pequenos grandes segredos sem preço que nos são dados a conhecer quantas vezes sem o prévio aviso da razão.
Mais uma noite sem descanso!
Alzira acabou por descobrir que naqueles novos desenhos de constelações, lá bem alto, onde a sua amiga Marilyn agora respira, existiu uma conspiração política da responsabilidade da actriz. Foi por ela decretado que as divindades femininas fossem convocadas e lhe propiciassem assim, sem aviso, estas novas formas tão humanamente intensas de descobrir os escondidos prazeres de se sentir mulher.
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