quinta-feira, 12 de junho de 2008

Importantes memórias de voos passados


57.

A conversa com Gonçalo de Arriconha quis meu senhor manter em segredo. Deu informação ao cónego de Braga encarregue da sua educação que com ele iria manter importante diálogo e que disso não fizesse qualquer menção. O religioso, confesso fiel devoto e grande defensor dos novos interesses da diocese à qual pertence e recentemente alargada com as sufragâneas de Coimbra, Viseu e Porto por ordem expressa do papa Inocêncio III desde 1199, estava mais preocupado com a recolha e guarda de valiosos relicários. Não dedicou por esse motivo grande importância ao pedido.
A conversa entre Fernando Dias e o jovem Gonçalo foi de imensa importância para o desenvolvimento de todos os acontecimentos que a partir de então vieram a acontecer. Reconheceu meu senhor Fernando Dias ter realizado difícil esforço em manter todo esse secretismo no período de tempo que considerou necessário para a salvaguarda do mesmo. A secreta conversação que os dois mantiveram prolongou-se por horas, até findar aquele cansativo dia de regresso. Num dos casebres mais ocultos do estaleiro de construção encontraram a necessária discrição e a mim deram ordens de vigia. Que nenhum elemento os incomodasse, só por motivos extraordinários, de vida ou morte como me disse meu senhor. Um sólido silêncio foi com eles e a Natureza assinado avisando que esta conversa possuía temática verdadeiramente importante. Preciosos foram esses instantes. Os pássaros trouxeram amigos. Muitas espécies nunca antes por ali vistas deram aos mais atentos notícia da relevância extraordinária daquele encontro.
Ajudei naquilo que pude meu senhor. Senti, ao observar todo aquele espectáculo de voos soberbos, que dava custódia a santo acontecimento.
Castro estava hipnotizado a fixar o céu lá nas alturas. O Taunus tinha acabado de sair em direcção à estrada nacional em Vila Franca e deixado para trás a rápida estrada dos apressados. O cão não conseguia desviar a sua atenção das formações que os pássaros iam desenhando nos céus, lá no alto. Pareciam a lua cheia a acompanhar de forma bizarra as nocturnas viagens de ferrugentos animais de quatro rodas. A velocidade parecia copiada da máquina rolante. O cão estava embriagado com aquela sensação bizarra de “déjà vu”. Continuava a sentir uma total incapacidade em afastar o olhar que mantinha fixo naqueles animais aéreos. Qualquer coisa neles lhe transmitia impulsos de idênticas imagens já anteriormente percepcionadas só não conseguia trazer a si a exacta memória do local onde as tinha experimentado.
- Castro, de repente ficaste bem mais tranquilo! Deves ter dado conta de algo deveras extraordinário na paisagem da viagem! Ainda bem! Começava a pensar que tinhas ficado doidinho, tantas foram as vezes e as voltas por ti dadas sem descanso até termos feito saída por Vila Franca.
O bicho preto continuava tão consumido no voo dos pássaros e na tentativa de dar conta das anteriores memórias de voos que mal ouviu as palavras de Tó. Sentiu, contudo, que aqueles pássaros a voar lá no alto eram sinónimo de coisas importantes na sua existência, fosse ela a actual, fosse ela a anterior vida de pajem medieval ao serviço do senhor Fernando Dias.
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