sexta-feira, 20 de junho de 2008

Manhã de convívio


68.


Maria do Carmo tinha saído cedo pela manhã. Foi levantar uma encomenda vinda do Ultramar na estação de correios local.
As tias de Alzira estavam a tomar o pequeno-almoço empenhadas em aproveitar a ausência da irmã mais velha para conversar com a sobrinha sobre os acontecimentos da véspera. Alzira tinha descansado pouco nessa madrugada. Como já é seu hábito, os preparos e cuidados que colocou na impecável organização do seu acordar, disso não deram sinal. A roupa escolhida com critério, a beleza de sua pele perfumada e delicadamente rosada com as sábias artes da cosmética. O cabelo impecavelmente escovado, brilhantemente solto por sobre os ombros de menina moça. Dois pequenos ganchos dourados criteriosamente colocados para deles obter o efeito pretendido. O olhar irradiava uma aura de rara inteligência, brilhando com uma intensidade misteriosamente feminina. Hipnotizava na sua azulada profundidade.
Assim foi ter com as tias que se encontravam no alpendre onde tinham colocado a mesa e as cadeiras por forma a poderem tirar partido daquela perfeita manhã de Verão.
- Alzira! Meu Deus. Como estás bonita! Vem, senta-te aqui e faz-nos companhia no que resta deste nosso pequeno-almoço.
A menina sorriu delicadamente, puxou para si uma cadeira, ajeitou a saia rodada do vestido por debaixo das coxas e sentou-se em frente às tias, que não conseguiram parar de a observar.
- É mesmo verdade! Tu não fazes ideia do quanto cresceste e te fizeste senhora nestes meses que passaram desde a Páscoa. É incrível, mas a verdade é que estás muito mais crescida, quer em pose, quer em beleza, como se tal ainda fosse possível.
Alzira notou que as tias estavam sinceramente admiradas e que a impressão que lhes tinha causado era real e intensa.
- A mamã não está? Preciso ter com ela uma séria conversa. Devo-lhe a explicação do inexplicável! Pedir perdão pelos meus devaneios e alterados comportamentos dos últimos dias.
As tias sorriram, trocaram olhares de complacência. Sentiram que em Alzira o Mundo de criança começava a deixar de existir e provocara este terramoto de sentidos e acções irreflectidas. Perceberam que o bom-senso da razão vai mantendo a alma da sobrinha numa tranquila estabilidade emocional com as eventuais sacudidelas do crescer.
- A sua mamã saiu ainda cedo pela manhã. Disse-nos que tinha de ir à vila levantar uma encomenda aos correios. Já não deve tardar em regressar.
Iam bebendo um fresco sumo de laranja enquanto entretinham os dedos com uma delicada fatia de pão-de-ló que lhes adoçava o matinal encontro. As perguntas iam sendo carregadas na camioneta das questões que lhes estava estacionada na garagem da vontade, prontinha a arrancar em direcção a Alzira.
- Queres conversar acerca dos motivos que ontem te levaram para tão longe daqui? Ainda consegues ver em nós as amigas de outros tempos a quem tu dedicavas segredos como se fôssemos as fadas-madrinhas das tuas histórias de encantar?
Alzira sentia a cabeça um pouco pesada. Ia bebendo do sumo que retirara do jarro para o copo enquanto pensava na resposta a dar às tias, que apenas procuravam dar-lhe ajuda.
- E as tias? Como vai a vossa vida lá pelo Porto? Conseguem ver em mim uma confidente, alguém com quem não se incomodam de partilhar os segredos e angústias? Como se fosse, como vós, uma igual leal amiga com quem podem desabafar?
Silêncio! Por instantes os voos dos pássaros eram os únicos ruídos que animavam musicalmente aquele encontro familiar.
Assim permaneceram as três, deliciadas na fruição daquela manhã de convívio.
Assim permaneceram as três, deliciadas por se encontrarem ali reunidas a desfrutar aquela esplendorosa manhã de Verão.
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