quinta-feira, 12 de junho de 2008

Mem ramires



58.


Santarém aguarda as figuras de Castro e António com prazer. António Júlio tinha especial predilecção pelas terras com passado histórico ligado às épocas de conquistas dos primórdios da nação. Antes da chegada foi dando conta a Castro de como o burgo de Santarém foi tomado aos Mouros no longínquo ano de 1147 por um real exército saído de Coimbra composto por cerca de 250 homens, entre cavaleiros, alguns Templários e demais soldados. Um valoroso cavaleiro de nome Mem Ramires, que falava árabe, foi mandado pelo rei fazer o reconhecimento à praça. Dizem os relatos históricos que esta batalha pela conquista da cidade só foi dada em conhecimento às tropas na véspera do ataque. Todo o percurso foi feito pelo abrigo da noite, por caminhos escondidos das vigilâncias árabes. Ao cabo de quatro dias chegaram e permaneceram em Pernes, onde o rei rezou fazendo promessa a Santa Maria de Claraval em lhe construir santa morada caso esta o protegesse na batalha.
Castro estava atento a esta explicação histórica de António Júlio. Algumas das suas palavras soaram-lhe estranhamente familiares, apesar de as ter ouvido pela primeira vez. Voltou novamente o olhar para a paisagem rolante, para os pássaros que os iam seguindo, para as bonitas cores com que a já avançada hora da manhã ia colorindo os céus. Dizem que os cães são daltónicos mas os cães vêm as formas e as cores da mesma maneira que nós, só que a hierarquia de importância dos sentidos é completamente distinta da nossa. E continuou Tó com o pequeno relato histórico da conquista de Santarém aos Mouros:
- Pela calada da noite, bem tempestuosa e escura, segundo consta, guiados por Mem Ramires, deu este plano para encostarem à muralha dez escadas em local já por si escolhido. Queria lançar por lá uma centena de homens que dessem conta das sentinelas e corressem depois a abrir as portas aos que ficassem para trás em espera. Mas o plano falhou pois as sentinelas permaneciam bem atentas no seu posto. Tiveram que aguardar ainda algumas horas até que acabassem por ser derrotadas pelo sono. Uma escada foi logo içada. Por ela logo subiu Mem Ramires, o alferes-mor com pendão real e o soldado que devia atar a escada às ameias. Este alvoroço despertou uma das sentinelas. Mem Ramires estrangulou-o e gritou a bons pulmões:
-«Nazarenos!»
Depois reunidos e em conjunto gritaram por «Santiago!», arrombando brutalmente as trancas que seguravam a porta. O restante grupo que aguardava do lado de fora entrou de forma decidida, com o Rei à frente, pelo castelo dentro. Ao romper do dia estava já cativa toda a árabe guarnição, caindo assim Santarém no poder das lusitanas tropas.
Castro continuava atento às palavras de António Júlio. Com elas ia descobrindo nas escondidas escarpas das suas lembranças, caminhos lhe permitiam atingir locais ocultos que julgava serem impossíveis de visitar.
.

Sem comentários: