domingo, 1 de junho de 2008

A cor rosada da língua


42.

Ao chegarmos a Ferreira com a força de Cristo a iluminar o caminho, deparámo-nos com um estaleiro abandonado. As ordens foram cumpridas com rapidez segura. O rosto de Fernando Dias não escondeu a alegria por termos encontrado este afastamento feliz.
- Ao que tudo indica os nossos mensageiros deram rápida conta da mensagem. Não podemos dar desatenção aos movimentos pois esses assassinos podem estar por perto. Quem sabe, perceberam os nossos propósitos. Quem sabe, nosso maior número de homens lhes tenha dado conta para receios. Quem sabe que Divinos propósitos Nosso Senhor terá milagrosamente construído para salvaguardar esta sua casa e estas suas devotas gentes. Rezemos agora por esta Divina graça e agradeçamos ao Senhor por nos trazer alento nesta contenda.
Todos largaram as montadas e em frente ao altar em construção desta casa divina ajoelharam-se para agradecer graça tamanha.
Assim nos detivemos por muito tempo em orações e meditação não suspeitando que outros olhares pudessem, naquela ausência de gentes, estar por ali à espreita. Um rapaz de olhos espertos e muito desconfiados foi-se aproximando da entrada do templo com cuidados acrescidos e com a segurança que os seus pés descalços, supostamente, lhe trariam em ruído. Por detrás do primeiro de cinco arcos do pórtico da entrada se anichou e, em silêncio, espreitava de quando em vez para o interior descoberto do edifício. Foi numa dessas momentâneas espreitadelas de curiosidade que o pequeno homem acabou por ser descoberto por quem de nós tinha ficado em escondida vigilância. O Templário segurou-o energicamente junto ao pescoço e com um rápido movimento de braços colocou-lhe as mãos por detrás das costas travando-lhe assim intenções de fuga. Deste súbito alvoroço deram conta todos os que rezavam terminando de forma imediata as suas orações. Os receios de ser alguém do grupo dos que perseguiam eram sério demais para não ser escutado.
- Meu senhor, estava este rapaz aqui na entrada qual pequeno gafanhoto do campo, pronto a saltar em fuga caso eu não o tivesse feito parar. Espreitava para dentro da igreja de forma atenta e continuada. O seu interesse era tanto que nem deu conta da minha chegada.
O rapaz não se mexia. A dor infligida pelos fortes braços do Templário era aviso suficiente para que a sua esperteza lhe recomendasse quietude. Fernando Dias inclinou-se para o moço, apoiou o braço esquerdo sobre o mesmo joelho, olhou-o bem de frente nos olhos durante uns segundos e nada lhe disse. Em seguida ergueu-se sem pressas e deu ordens para o soltarem.
- Dêem-lhe o que comer e água fresca também! Está com cara de fome. Quanto à água, guarda alguma para limpares o teu rosto. Preciso de falar contigo depois de estares mais composto. Existem perguntas sérias às quais, quem sabe, me poderás dar resposta.
Os expressivos olhos do miúdo quase lhe saltaram das órbitas ao ouvirem as palavras de meu senhor. Ao sentir afrouxamento na pressão que o seu guarda lhe fazia nos braços, rápido se virou. Olhou para cima em direcção às cerradas barbas do cavaleiro e mostrou-lhe a cor rosada da língua como se este acto de “cordial saudação” lhe trouxesse de novo a respeitabilidade de que se achava merecedor. Os Templários não conseguiram travar neles sonoras gargalhadas que se fizeram ouvir em todo aquele santo lugar, colorindo-o assim com melodias pouco próprias de lugares sagrados.
Fernando Dias olhou para o Céu, cerrou os olhos e pensou que, seguramente, os sorrisos só poderiam ter sido criados para aliviar as humanas formas do Ser.
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