sábado, 31 de maio de 2008

Francisca


39.


António Júlio observava do calmo retiro do seu assento aquela partilha de delicioso manjar. A menina continuava serena a acariciar as orelhas de Castro como se de lá esperasse descobrir respostas secretas. Esperava, quem sabe, que um qualquer Aladino lhe saísse pelas orelhas e lhe permitisse os três desejos da praxe. Francisca sempre desejara secretamente ter um cão. É uma das mais certas coisas da vida. Quase todas as crianças encerram em si esse secreto desejo de possuir um destes fiéis amigos, deles poder tomar conta, afagar, cobrir de beijos e “festinhas”.
O gelado já não existia há muito tempo dentro da caixinha mas Castro continuava literalmente fascinado pela simpatia de Francisca. A sua mãe tinha ido comprar uma garrafa de água para dar tréguas à secura.
- Então Francisca, diga adeus ao novo amigo! Hoje parece ser o dia dos cãezinhos alegres. Este cão preto já hoje passou por nós, está recordada? Foi na Sé, ao fim da manhã. Se não era ele era um outro muito parecido. Parece ser bem simpático e divertido não acha Francisca?
Tó sentiu nas pernas vontade em se levantar, ir ao encontro daquele trio, dar conta da sua amizade com Castro às belas senhoras. O apoio que necessitava para se erguer em sua direcção falhou em sua cabeça. Esta deu-lhe ordens de remanso e ali permaneceu sentado.
- Eu gosto muito de cãezinhos mamã. São muito inteligentes. Parece que percebem tudo o que lhes digo. E gostam de gelados como eu, não é?
A senhora acedeu com a cabeça, espreitou para o relógio de marca que trazia brilhante no pulso, bebeu um gole de água que lhe refrescou a sede e pegou na mão da menina com firmeza de mãe.
- Está na hora Francisca, temos de ir! Diga adeus ao cãozinho. A avó já deve estar à nossa espera.
A menina lançou um último olhar a Castro que se levantou num repente, seguindo com o seu essa luz. Foi acenando ao de leve, dizendo baixinho já longe:
- Até já cãozinho preto, até já!
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