domingo, 11 de maio de 2008

Arrábida à vista


13.



A viagem com destino à Arrábida tinha começado. O velho Taunus castanho de 71, quase relíquia de museu, roncou com agrado ao rodar da chave. Aquele dia de Domingo seria seguramente diferente. Castro abanava o rabo de contentamento pois aquele ruído fazia-lhe lembrar as brincadeiras partilhadas com os seus camaradas de quatro patas. Bastantes vezes corriam atrás de delirantes chapas reluzentes de forma arredondada ladrando feitos loucos de prazer até à exaustão, só pelo prazer em ver alguma Michèle Mouton estampar o rodado contra as bermas altas dos passeios que sabiamente escolhiam para a função. As senhoras tinham muito mais receio em atropelar aqueles animais fofos que se atravessavam à sua frente assim tão de repente. Guinavam feitas salvadoras da pátria para evitar mortes violentas por atropelamento. E era ver as latas que tapavam as jantes negras a saltar que nem pássaros atordoados.
Depois corriam atrás das redondinhas para com prazer canino as resgatar como troféu de caça. Castro era dos mais medalhados. Chegou a conseguir reluzentes troféus de raras marcas. Mas as que mais gostava de conseguir eram de um carro muito engraçado que virava nas curvas feito barco e ao qual os humanos chamavam dois cavalos. Fossem dois ou mais, quando tocava a desviar-se das caninas cabeças, lá tombavam as latas como as dos outros, lá rodavam feitas tontas e lá partiam para a corrida atrás do troféu.
António Júlio tinha tido como ideia colocar uma pequena manta a proteger o banco traseiro do seu automóvel não fosse Castro arruinar os estofos. Depressa considerou tal tarefa desnecessária. Castro tomou conta do banco do pendura e depois, como se tivesse sempre viajado naquele posto de comando, abriu a janela com as patas da frente rodando a manivela com grande desembaraço. Com a cabeça do lado de fora por duas vezes ladrou chamando por Tó.
- Está bem está! Mas que bela encomenda que tu me estás a sair. Tão novo na família e já com ares de mandão. E agora, a caminho da Arrábida. Aqueles ares vão fazer-me lembrar que ainda existe azul no céu. E quanto a ti, já que foste tão rápido a abrir a janela aproveita e põe o cinto! Seguiram em direcção à avenida de Ceuta para apanharem a entrada da ponte em Alcântara.
A Arrábida ali tão perto.
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