sábado, 31 de maio de 2008

Um bocadinho de gelado


38.

Castro e António Júlio subiam em direcção ao pequeno jardim que se encontra mesmo em frente das janelas do prédio onde vive o escritor. A pequena inclinação da rua servia para temperar as novas cores dos seus sorrisos. As suas passadas eram agora seguras, confiantes.
- Já estamos quase a chegar Castro! É certo que partiremos amanhã para um passeio em direcção ao norte do país! Estou com vontade de recordar paisagens, beber os sabores das lembranças nos exactos locais em que os vivi. Procurar a inspiração para um novo trabalho. Sabes que desde a morte da Alzira nada mais a minha mão escreveu. A minha dor secou-me a pena do poema, da razão de ser escritor, ou mesmo gente que fosse.
Mais uma vez Castro virara a cabeça em direcção às palavras de Tó como se entendesse na íntegra todas as suas sentenças.
- Antes de subirmos, que me dizes a refrescarmos as ideias na frescura destas sombras? As tardinhas são sempre temperadas com uma luz mais serena lembrando doces odores a fruta.
Castro aproveitou aquele verde que tão bem conhecia para ir espantar as pernas e dar de beber à sede. Correu ligeiro para desaparecer por instantes por detrás de um frondoso plátano, aparecendo logo de seguida pelo outro lado. E tantas foram as vezes que assim se ia divertindo que o olhar de António Júlio acabou por se alhear daquele jogo de escondidas.
Foi assim que com contida alegria os seus olhos deram conta daquela tonalidade de verde pela segunda vez nesse dia. A primeira foi quando à saída da Sé uma voz suave e macia chamava a atenção da mãe para a vitória que dois rafeiros divertidos tinham obtido na corrida com o guarda da catedral. A mesma menina de chapéu elegante e sorriso de mel deliciava-se agora a comer um gelado que lhe media o queixo. Está sentada três bancos à sua esquerda, fazendo pequenas cócegas na orelha de Castro que surgindo do meio do nada, sem cerimónia, se sentou em frente à criança deliciando-se com aquele rosto de imaculada inocência infantil.
- Olha mamã! O cãozinho está a pedir-me um bocadinho de gelado. Posso dar-lhe mamã? Posso? Só um bocadinho…?
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