quinta-feira, 8 de maio de 2008

Mas que porra!

3.
Foram mais de cinco as vezes que tinha deixado do lado de fora da porta as chaves de casa, sempre no mesmo local, sempre ao pé do canteiro de madressilvas. Já se sabe que esta ideia é tudo menos aconselhável mas os seus hábitos de aldeão ainda lhe estão impregnados nos genes Beirões. Foram estas as vezes que visitas de outro calibre lhe aliviaram as gavetas da sala, lhe partiram pratos, travessas, fizeram desaparecer rádios transístores do tempo da velha senhora. Uma colecção que de ter desaparecido lhe doeu como um soco no rosto. Até aquela porcaria de retrato amarelado da visita a Fátima, ainda puto de calções, que estava pendurada na parede escura da entrada para a cozinha, lhe fanaram num desses raids. O pior é que a sua continuada loucura em manter este hábito não ganhava modos de melhoria.
António parecia desejar outro tipo de safari ao seu casebre redentor. Um safari como aqueles que existem lá pelas Africas. Um em que ele, por breves instantes, pudesse ser o troféu pelo qual os caçadores furtivos mais salivam. Um em que esses endinheirados senhores de caros brinquedos lhe conseguissem abrir a porta do emprego de Alzira, lá bem perto da nuvem que viu naquele passeio do retrato.
Mais um dia com cheiro a naftalina. Mas que porra!
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