sexta-feira, 9 de maio de 2008

E se a Alzira se tivesse chamado Marilyn


6.


Sapatos de sola de borracha não nos ferem os dedos nos quilómetros que se passam a contar as pedras das calçadas. Dona Maria Alice ainda mal tinha aberto as portas do café e já lhe entravam adentro as revistas e jornais do dia, bem apertadinhos com baraços fortes. Por vezes perguntamos o porquê de tanta papelada de trampa consumida com o destapar frenético da vida dos outros. As macacadas do costume. Servem para abrir os apetites de cheiros e odores de nuvens, para vender não poucas vezes as almas ao diabo. Esse gajo nunca dorme. Está sempre atento mesmo ali ao virar da esquina.
- Ti Maria, bom-dia! Uma bica faz favor.
Seguro do seu amanhecer, rasgou o pacote e rodou a colher no sentido da volta das horas. Aquela bica ia saber a António Júlio como um aviso dos Céus. Olhou de soslaio para as gordas que pintam de escuro as primeiras páginas dos desportivos. Mais papel, desta vez usado para abrir esperanças aos putos que todos querem chegar aos ídolos que ali escarrapacham dia após dia como deuses a esvoaçar ao vento. Os tipos que mais não fazem do que dar chutos. Alguns deram-no com tanta força que esse chuto os trouxe para ali onde os olhos de Tó, em menos de meio segundo, os guardaram na memória daquele dia de sábado depois de saborear a sua bica divina.
Como teria sido se a sua Alzira se tivesse chamado Marilyn? Trazia sempre consigo a fotografia do dia em que ela se tinha sagrado rainha do baile lá da empresa estrangeira onde ambos se tinham encontrado. Já lá vão quarenta. E a porra do tempo que não pára para pensar…
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