sábado, 10 de maio de 2008

É bem verdade, verdade verdadinha


9.

Umas pequenas carícias na cabeça de Castro; sim, pois já sabia que seria este o seu nome; foram festa suficiente para que o rafeiro se tivesse afeiçoado de vez a Tó. Guardador sabe-se lá de quantas tristezas na rafeira forma dos seus dias, mas também de tantas sábias vitórias como tantos companheiros de luta iguais a si. Não era por acaso que por ali ainda andava. Castro é um resistente, um sobrevivente. Quem olhasse de alguma distância para ele até seria facilmente induzido em erro e o poderia confundir com um cão com dono. Pelo porte e pelo andar quase aristocrático. Quem o teria levado até si?
Foi seguramente a maneira diferente com que na madrugada acordada bebeu aquela saborosa bica, a maneira desaparecida com que aquele barbudo encefálico se pisgou por momentos das suas ideias, os cheiros saborosos daquele sábado, talvez tudo conjugado, talvez. Ou só o estar de novo a observar com olhos de ver e não de ausência. O certo é que aquele novo camarada lhe irá dar histórias para relembrar. Os dois poderão olhar as montanhas e subir lá ao alto para ver como Portugal é belo e pequeno. Passeios, seguramente passeios retemperadores com sabor a mar e areia pelos joelhos. Tardes de Verão, que já não tarda, passadas a ouvirem as crianças dos outros felizes nas suas malfeitorias joviais.
Castro veio dar a António Júlio uma retemperada e saborosa esperança. O seu orgulho e as feridas recentes podiam acalmar. E não é que o estafermo do bicho é mesmo bem-parecido. A sua cor lembra a Tó o luto pela sua Alzira. A alegria e irrequietude que possui no seu calor trazem esperança ao seu caminhar. A virtude da sua honrada vida de rua demonstra que a sobrevivência na adversidade é um destino a agarrar, não a destruir.
Tudo isto só num cão? Num rafeiro preto?
É bem verdade, verdade, verdadinha.
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