sexta-feira, 9 de maio de 2008

Um cão com nome de povoado

7.
Que sabor é este novo vindo da manhã? António não se lembrava do cheiro doce da bica matinal havia tanto tempo. As sombras que as árvores vão projectando nas bermas dos passeios e nos recantos dos jardins da cidade parecem bailarinas do Bolshoi. As mãos dos pais que as crianças apertam nas suas com a força da simplicidade infantil que possuem são como um poema Pessoano. Tudo isto lhe parecia agora susceptível de ser observado. Fabuloso. Tudo parecia patinado em tons dourados. Fabuloso. Sentia-se confiante, novamente confiante. E vai durar para sempre.
As cores combinam. A luz da cidade volta a lembrar as do palco da vida. A mente acordada pelos treinos intensos que Tó lhe tinha dado. Atleta olímpica essa sua mente. Mais segredos que o duende barbudo lhe tinha rapinado para deleite próprio.
Tirou uns Ray Ban bem antigos de lentes verdes. Um baptizado estava a começar na igreja do alto da colina. Meninas muito pequenas vestidas como bonecas de porcelana de sandálias brancas e meias de renda. As mães ocupadas com as conversas de ocasião acerca dos relacionamentos. Netos, sobrinhos e enteados, cunhados e cunhadas, os vários avós, padrinhos pois claro, os pais babados, a avó do menino, mais ao longe o avô também, os amigos chegados e um pouco mais afastados e o padre que é primo do tio do pai do bebé. António nada disto podia saber mas subitamente lia claro pelas faces alegres e expressões corporais daquele grupo de pessoas reunido ali naquela manhã.
Sentou-se. Os cães vadios resolveram aproximar-se do seu banco. Estavam habituados aos velhotes que um pouco mais tarde pela manhã ali se juntam para jogar sueca ou dominó. Ficou com vontade em se tornar dono de um deles. Lembrou-se que o pai lhe tinha dito que um dia teve um belo pastor alemão de personalidade forte e vincada. Um destes rafeiros bem podia ser companheiro dos seus próximos dias de passeio. Deixou que lhe cheirassem a mão que tombou propositadamente do lado de fora do banco. Ficou a observar qual deles se sentiu mais atraído pelo seu odor. A vida destes rafeiros tem sempre qualquer coisa de liberdade. Chegou a invejar essa sua forma de vida. Ser cão vadio. Farrusco. Farpas. Liberto. Herói. Lucas. Black.
Castro. Um cão com nome de povoado. Um cão sociável. O seu novo cão é preto de corpulência média e vai chamar-se Castro. Lambeu-lhe a mão. Esperançoso.
Ganharam amigo novo, estes dois.
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