quarta-feira, 21 de maio de 2008

Pequenos nadas


28.

A subir até ao castelo, passando a pente fino os últimos instantes do passeio, foi António Júlio sorrindo com as desvairadas patifarias de Castro. Neste novo amigo sentia um coração de criança descomprometida com as coisas pesadas da vida. Ia comendo um pastelinho de nata para dar resposta a essa vontade que lhe vinha o estômago acendendo. Olhou a estátua do santo questionando-se acerca das estranhas razões desta vida. São Jorge conseguiu salvar a princesa donzela, única filha do rei da Líbia, das garras do dragão. E que triste São Jorge foi ele, que à sua amada Alzira, pobre defesa proporcionou com as lanças do seu poder? As pessoas, maioritariamente estrangeiras, que aproveitam já dias de férias e gozam a calma primaveril do tempo português, iam entrando e estendendo os seus olhares do alto do miradouro do castelo para o horizonte regado com as cores da cidade, do rio, da ponte, do estuário ao fundo, das outras colinas, do céu, da esperança do abraço do Cristo-rei, dos cheiros de tanto passado por aquelas pedras estendido, de tanta história derramada naquelas muralhas, portas, ameias, sonhos e mãos pedidas e perdidas. Aqui se guerreou, se conquistou, se viveu, sobreviveu e matou. E todos aqueles detalhes, refrescados com as sombras das árvores, misturados com o barulho das aves que os salpicam de estranhos sons, por vezes de cores de esperança, por vezes da cor do luto, fazem deste castelo um lugar mágico. Sente-se a pequenez do ser pelo sentido passar dos anos que por aquelas pedras já foi vento, brisa, tempestade e calor.
António Júlio deteve-se numa das muralhas que dá vista larga para a zona do rio, perto de um dos canhões que deseja ir tomar banho ao Tejo. Ali se sentou e ali ficou a apreciar a pintura.
- Por onde andará Castro agora? Como seria catita se aqui estivesse para lhe poder mostrar o Tejo ali ao fundo. Para lhe poder agradecer ter-me dado estas vontades renovadas de apreciar coisas simples na vida, já que é feita de pequenos nadas. Afinal de contas, as coisas mais importantes da vida são feitas de pequenos nadas.Enquanto pensava ao olhar o rio, sentiu ligeiro encontrão no seu ombro direito e a sua face húmida e quente ficou. Castro, sorrateiramente, vindo por detrás de Tó, nele se apoiou com ternura e selou aquele pacto molhado no rosto do novo amigo.
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