sexta-feira, 9 de maio de 2008

Está na hora de ir beber uma bica

5.

Estranhamente não estava nada luminosa aquela manhã de sábado. Ao puxar para trás o pequeno cortinado de flanela gasta que tapa a janela do seu quarto, António depressa percebeu o porquê daquela falta de luz matinal. Ainda não tinha amanhecido. A sua cabeça estava pesada e acordava a horas cada vez mais madrugadoras, sem necessidade pois nenhum tipo de compromisso carecia desta sua alvorada descontrolada. Ligava um cigarro olhando lá para fora pela janela das pálpebras de feltro escuro. Os autocarros da Carris já se movimentam. Alguns pássaros labutam. Que raio de ideia esta forte dor de cabeça não servir para seu remédio. Já ia sendo tempo de alguma emenda. A estrada que este rumo abriga não leva Tó ao melhor destino. Coça a cabeça. Bolas! Lá está ele outra vez descontrolado. Tique de uma figa.
O que fazer hoje? Não se lembra do que o levou até ali, se os seus próprios pés ou algum amigo complacente. O destino amigo ou até, quem sabe, aquele malfadado duende barbudo, resolveu fazer crescer em si alguma dose de indulgência. Estaria mesmo muito mal se assim fosse. Duendes barbudos habitantes nos confins das almas de cada um não devem ser chamados para estas coisas. É dar-lhes o que mais desejam. Todo o poder dos Céus para escravizar de uma vez por todas o seu caminheiro. E isso é o equivalente a dizer que a toalha foi definitivamente atirada para o chão da vida.
António Júlio ainda tem em si António Júlio para revelar. Deve esse enorme favor a si próprio e à memória de Alzira. Este sábado madrugador revelar-lhe-á a vontade escondida da sua esperança. Está na hora de ir beber uma bica. Aclaram as ideias e amansam as dores de cabeça.

.

Sem comentários: