terça-feira, 27 de maio de 2008

Novas coreografias de valsas


33.

A tarde aproximava-se do seu fim. António Júlio viu suavizada a sua intranquilidade com aquele beijo de Castro selado na face direita.
- Então já de volta? Pensava que estarias com maior vontade em seguir a tua liberdade do que voltares para companhia tão acinzentada. Deixaram aquele guarda da Sé quase sem respiração de tanto lhe trocarem as voltas, tu e o teu companheiro.
Castro olhou para Tó, como se tivesse verdadeiramente entendido o que este lhe acabara de comunicar. As crianças são mesmo assim, parecem alheias a tudo aquilo que as rodeia, aos odores, às paisagens, aos conselhos e às conversas. Erro grosseiro! Elas possuem a invulgar capacidade de sorver todos os sinais como se tivessem um aspirador de sentidos. Tudo por elas é captado e a tudo dão atenção. Fazem-no utilizando esse seu espantoso dom. Continuam embrenhadas em suas ocupações de crianças, mas sempre sintonizadas nas várias realidades que as cercam. Como seria se este homem, agora tão dedicado a Castro, soubesse que a verdadeira alma do animal é a de um antigo pajem medieval ainda com idade de criança? Já não era a primeira vez que Castro tivera vontade de lhe transmitir mas apenas sons guturais lhe saíam da garganta em forma de latidos roucos.
- E que me dizes desta paisagem Castro? Tenho de te confessar que é aqui, perante estes magníficos quadros, que te vou dizer o que acabei de decidir.
António Júlio agachou-se junto do cão, baloiçou-lhe carinhosamente os cantos do focinho para cima e para baixo, olhou-o bem de frente nos olhos e disse:
- Vou voltar a escrever! É verdade meu bom amigo. Está decidido e aqui, perante a cidade e na tua presença, selo este pacto com o destino! Vou voltar a escrever!
Castro sentiu que o seu olhar ficou timidamente mais aquoso, António Júlio segurou-o pelas patas dianteiras, abraçou-o e espantaram todos os pedestres visitantes do castelo com novas coreografias de valsas.
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