quarta-feira, 14 de maio de 2008

Vida de cão


20.


Gualdim descobrira que as suas memórias passavam por segredos que desejaria saber melhor escondidos. Era um dos malhados de castanho e branco mais dedicado a Castro. Naquele grupo ainda eram todos putos. Nada de prover com sabedoria adulta os caninos. A natureza precavera-se nesta sua habilidade e dotou os cães de uma esperança de vida condizente com o peso que as memórias trazem. Quanto mais duras, mais fresca deve ser a liberdade de as não querer suportar. Os cães são pequenas crianças podendo aspirar a adolescências sensatas, só isso, nada mais. Depois ninguém sabe para onde escorregam as suas almas. Nem devem ocupar os seus pensamentos com coisa tão deselegante. Por isso saltam, correm, brincam e têm vida de cão. É dura, sombria, enrascada. Sofrem males e horrores de cão. Afinal a natureza lá se divertiu com mais esta estalada na cara do Destino.
Castro lembra-se que nessa viagem até Rates o seu senhor muito rezou para que nada os afastasse do real objectivo daquela demanda. Surgem memórias de muito frio e ossos colados aos farrapos que lhe cobriam o corpo. As contínuas chuvas que caíram semanas seguidas deram atraso à viagem. Mais três ou quatro dias foram com certeza. Uma semana talvez. As poças pisadas de lama até onde as rótulas guinchavam. Os animais que resistiam nas subidas mais cruéis. Apenas um dia se lembra de ter estado o Céu apagado dessa água tormentosa. Serviu para fazer lembrar que as cores com que se pintam as suas tábuas são estranhamente misteriosas. Formam arcos tão divinamente coloridos que todos paravam na contemplação das suas cores. Dizia-se que para os lados de Cluny, assim saía esse nome com frequência da boca do seu senhor, as janelas das casas divinas que por lá construíam pintavam a luz que por elas passava nestes tons divinos. O seu interior eleva assim até aos céus esta terra, cobrindo-a de chambras finas. Nada antes se lhes podia comparar em beleza divina. Por isso tanto se rezou nesses caminhos com destino a Rates.
Parece que também se procuravam valorosos cavaleiros para conquistas em terras bem mais longínquas, lá para Oriente. Também este discurso da boca do seu senhor Castro não conseguiu evitar de escutar. Constantinopla, era o nome mais percebido nas conversas que mantinha com os outros Templários.
Uma tarde de sol Gualdim esteve desatento num daqueles arriscados jogos de caça que faziam em grupo. O pessoal bem avisou que não era menina ao volante. O carro guinou como sempre mas não para o lado do desvio saltitante. Ficou a dormir, Gualdim!
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