domingo, 18 de maio de 2008

São Jorge

24.

O dia amanheceu mais tristonho, é verdade. Castro sentia aquela vontade de ir ter com os seus companheiros a fazer-lhe formigueiro nas patas. António Júlio fazia estranhas composições musicais enquanto esfregava Pantene nos cabelos. Os pastéis emanavam aquele cheiro a salsa tão característico mas pelo qual Castro não morria de amores. Começou a fazer grande confusão ao cão aquela sensação de clausura. A janela da sala estava entreaberta e o telhado mais próximo estava ao virar de um saltinho. Não havia grande escolha a fazer. Tó seguramente que compreenderia a necessidade que Castro estava a sentir. É difícil segurar a liberdade. O focinho empurrou a porta da janela só mais um pouco para trás e foi vê-lo escapulir-se dali para fora como se de um gato se tratasse. Olhou para a janela, já no telhado. Ladrou uma vez, como se dissesse até já, correu até um outro telhado mais baixo, daí para um pequeno muro anexo ao prédio, daí para a berma no passeio, daí para a esquina da rua, daí a nada já não se via Castro.
- Sabes uma coisa Castro, estava aqui a pensar que seria boa ideia darmos uma volta até lá acima ao castelo. Já não me recordo da última vez que por lá passei. Está um pouco entregue a essa manada de turistas que nos vai visitando mas tem sempre um sabor especial a vista da cidade lá de cima. O que é que me dizes a esta ideia Castro? Estás a ouvir? Não me digas que voltaste a adormecer. Castro? Castro? Ó Castro, mas que raio estarás tu a fazer que não me respondes? Bicho? Castro?
Saiu finalmente da casa de banho nublada e ficou também assim a sua mente ao perceber que Castro tinha ido à vida dele. Não era intenção de António Júlio dar ao cão gaiola ou açaime. Compreendia muito bem que quem tinha tido vida boémia até então dificilmente mudaria os seus hábitos de um dia para o outro. No seu coração acreditava convictamente que Castro voltaria para si, talvez ao fim do dia, talvez amanhã, talvez depois, mas voltaria. A Arrábida deu-lhe a segurança de que tinha nascido entre eles uma forte amizade, tão forte que Tó compreendia bem esta necessidade de Castro em resolver pessoalmente os seus assuntos.
A ideia da ida ao castelo não tinha desaparecido, bem pelo contrário. A bica é que não podia faltar. Descer à rua e entrar no café da Dona Maria Alice. A última que ali tinha bebido ainda lhe estava bem marcada na memória. Tem plena noção que foi desde essa “poção mágica” de sábado passado que a sua vida tomou novo rumo. Nada melhor para aquecer o caminho até ao castelo. As vistas da capital já não lhe entram assim pelos olhos da cara faz muito tempo. E pensar que o santo até não mora assim tão longe dali.

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