domingo, 25 de maio de 2008

Manifestação de confiança

31.

O meu senhor mal conseguia desfazer os nós com que estes acontecimentos lhe apertavam as considerações. Sabia da dificuldade em acompanhar ritmos mais elevados na tentativa de, em conjunto, chegar a Ferreira. Dar voz de comando e enviar três velozes montadas com Templários de inestimável carácter, assim lhe pareceu ser mais sensato. A rapidez necessária para o aviso não morrer tarde era aqui essencial, daí ter assim optado.
- Meu pajem esforçado e fiel. Sei que as minhas palavras escasseiam no sentido de vos dar o real valor por vossos préstimos. Sei também que é curta e muitas vezes traiçoeira a forma como esta vida escolhe os desígnios do Senhor para nos mostrar a clarividência do destino. Questiono-me, não raras vezes, na quietude dos meus pensamentos, sobre tudo aquilo que defendemos e o valor das causas imensas do que desejamos construir e alcançar. As forças que procuram destruir esta construção começam a ganhar dimensões insanas. Movem-se com tamanha capacidade organizativa e com uma enorme virtude. A de uma dedicação feroz e inabalável nessa causa que as move. Começa a desenhar-se um muito estranho xadrez de interesses, com raízes que extravasam os da mera fé e que fazem com que figuras ou grupos como estes que agora perseguimos ganhem dimensões demoníacas autónomas e maneiras muito próprias de semear as sementes do seu dever. Acaso está o meu valoroso pajem a acompanhar estes meus pensamentos que em voz consigo partilho?
Confesso que considerei estranha esta manifestação da parte do meu senhor Fernando Dias. Algumas das suas ideias eram-me de difícil compreensão e disso mesmo lhe fiz questão em participar.
- Meu senhor, se mo permite. Agradeço que comigo relate as preocupações do seu juízo. Mui honrado me sinto por tamanha manifestação de confiança da parte de meu senhor. A grande porção dos seus assuntos, reconheço, não os consigo acompanhar. Sei, porque assisto, que o povo tem aparecido aflito. Eu próprio pasmado fiquei quando apareceram os corpos de santos senhores da igreja em estado tão deplorável e que tamanha ingratidão e desrespeitosa tem sido a forma desse abandono. Não me parecem humanas as maneiras desses tratos cruéis meu senhor, disso lhe posso dar entendimento.
Fernando Dias olhou para mim como se me tentasse fazer leitura da alma e respondeu.
- O fundo desta questão já alcançou as altas esferas dos Reinos que nos circundam. Sei, porque assim o vejo em seu olhar e nas suas palavras, que meu pajem é tudo menos homem ignaro. São já os anos que nos unem em várias demandas e em nenhuma vez me deixou ficar mal ou deu parte fraca das tarefas praticadas. Sendo assim, vou transmitir-lhe coisas que terá de manter escondidas em si como os ossos que lhe amparam as carnes. Terá de tomar grande atenção pois será seguro que, caso alguma sentença ruim me possa vir a acontecer neste trajecto, seja o meu honrado pajem portador das informações que fará chegar a El Rei Dom Afonso I, e a Phillipe de Plessiez, da forma que mais adiante lhe indicarei.
Todos os meus sentidos ficaram alerta. Mas o que seriam estes segredos ou dúvidas que meu senhor Fernando Dias a mim e só a mim desejava comunicar? Porque teria escolhido esta noite tão escura após a ordem dada aos três Templários para seguirem rápidos com destino a Ferreira? E que teria eu de tão especial, mero servidor sem rumo, filho de gente honrada do campo a quem o destino, de forma sensata, colou esta função serviçal? Preparei-me de seguida para fazer de guarda a todas as suas informações.
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