quinta-feira, 8 de maio de 2008

Epidural

1.

Felizes os dias cinzentos. Quando acabam, a sua temperada luminosidade espanta a vista com tanto azul. Fica calor e os dias Primaveris deixam finalmente as férias de lado.
António Júlio tinha vontades estranhas quando a Primavera lhe aquecia as memórias. Desatinava com as meninas adolescentes que mostram com desplante quase pornográfico os umbigos furados “com aquelas coisas que não lembram nem ao Diabo”. Fica do lado de fora da tasca do Antunes a deixar passar o tempo, a apreciar tudo que passa e mexe como se fosse o programa mais interessante que já observara. Por vezes adormece depois de quatro ou cinco finos e um pratinho de tremoços que lhe vão aconchegando a “gravidez”. Parece estar de sete meses o “Tó”. Já senhoras deram à luz de menos tempo e os meninos saem airosos com as modernices da medicina actual. Antigamente morriam os fracos, ficavam os valorosos, moços, moças e as mães parideiras que sofriam horrores de alma. Agora é só “epidurais” e até dá para ver nascer a criança com o pai ao lado. Sem dor. Mas como é possível passar por esta vida sem dor. É ela que nos vai moldando a Alma, esculpindo as formas, dando estaladas nas faces do crescer.
António Júlio adormeceu ao entardecer. Apareceu-lhe a Alzira no sonho. Parecia um anjo bege de asas azuis imortais. Mas porque é que o Divino Espírito Santo a desejou assim tanto lá no Céu? Não teria suficientes obreiros para ajudar na manutenção das suas nuvens? Raios partam tamanha malfeitoria.
Lá está o “Tó” a ter pesadelos outra vez!

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